Shortbus (idem), de John Cameron Mitchell (EUA, 2006)
por Leonardo Mecchi

Sex and the city

Nos últimos anos temos visto uma boa quantidade de filmes não-pornográficos apropriarem-se do sexo explícito em suas narrativas. Filmes como Romance, Intimidade, Lúcia e o Sexo, Ken Park, Brown Bunny, 9 Canções, 29 Palms e o recém-lançado em telas brasileiras Anjos Exterminadores, entre outros. A esse já extenso grupo, soma-se agora Shortbus, de John Cameron Mitchell, diretor de Hedwig: Rock, Amor e Traição. Seria essa profusão de filmes sinal de uma nova revolução sexual, após a ressaca causada pela AIDS nos anos 80/90, onde o sexo estaria sendo tratado de maneira mais natural e libertária?

Não tão rápido. Se olharmos mais atentamente a lista de filmes acima, veremos que o sexo é quase sempre vinculado a personagens traumatizados (Lúcia e o Sexo, Brown Bunny, 29 Palms) ou a relações desestruturadas (Romance, Intimidade, Ken Park, 9 Canções). O sexo, nesses filmes, é menos um objeto em si do que uma forma a mais de se diagnosticar a impossibilidade do homem contemporâneo de se relacionar com o outro e com seu entorno. Um sexo solitário e melancólico, do qual o gozo sofrido em 29 Palms é o melhor retrato.

Por mais que busque em suas imagens posicionar-se como uma celebração irrestrita do sexo em todas as suas manifestações, Shortbus não foge a essa regra. Embora retrate o ato sexual de maneira descontraída e sem cerimônia (em especial nas cenas no clube-cabaré que dá nome ao filme), diferenciando-se nisso dos outros filmes citados, John Cameron Mitchell acaba focando uma vez mais em personagens traumatizados, para quem o sexo, ao invés da utopia libertadora que o filme busca vender, é na realidade uma válvula de escape, uma tentativa desesperada e infrutífera de se comunicar com o outro – relação explicitada por uma das personagens que, diante da atividade de seu vibrador movido a controle remoto, avisa: “é meu marido tentando se comunicar comigo”.

É assim com o homossexual suicida (que não se permite um envolvimento íntimo e profundo com seu parceiro), com a terapeuta sexual (que jamais teve um orgasmo) e com a fotógrafa dominatrix (incapaz de um relacionamento duradouro). Tratam-se todos de personagens modernos e cosmopolitas, com vida social e sexual ativa, mas nem por isso plenamente realizados. Foi-se o tempo em que a insatisfação sexual era vinculada a uma casta senhora vitoriana: a revolução veio, mas não trouxe a felicidade prometida. Tratava-se de uma falsa epifania, para lembrarmos a expressão cunhada pela terapeuta no filme.

Há ainda uma outra personagem fundamental para o filme de Mitchell, também ela traumatizada: a cidade de Nova York, vista sob a ressaca do 11 de Setembro (presente ao longo do filme em diálogos e na imagem da ausência representada pelo Ground Zero). Local onde, segundo o filme, as pessoas vão para pecar e serem perdoadas, a cidade (e o atentado) acaba sendo um dos poucos pontos possíveis de ligação entre aquelas individualidades fechadas em si. “O 11 de Setembro é a única coisa real que aconteceu a elas”, diz o dono do clube Shortbus.

A estrutura em que Cameron constrói sua sociedade pansexual apresenta-se, entretanto, excessivamente improvisada, aproximando-se do cinema pornô não apenas pelo sexo, mas também pelo enredo frágil e os diálogos implausíveis – e aqui entra a principal fraqueza de Shortbus. Várias das cenas do filme poderiam muito bem figurar como sinopses de um filme pornô no que suas situações têm de inverossímeis (e toda a seqüência que vai da consulta do casal gay com a terapeuta sexual à apresentação do clube Shortbus é um bom exemplo disso). O mesmo ocorre com os diálogos que, buscando trazer uma profundidade maior aos personagens, acabam fugindo do naturalismo buscado nas cenas de sexo e impõem verdadeiras sessões de terapia em grupo a cada conversa.

Ao final, o diretor ainda professa sua fé no gozo e no prazer como forma de superar os traumas e voltar a “iluminar” a cidade de Nova York, porém o caminho que construiu para isso soa pouco convincente. O sexo libertário e festivo de John Cameron acaba por deixar um gosto amargo na boca. Como nos diz o dono do clube Shortbus, “é como os anos 60, mas com menos esperança”.

Setembro de 2007

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