Sicko
- S.O.S. Saúde (Sicko), de Michael Moore (EUA,
2007) por Francis Vogner dos Reis
A
dialética da piada velha
Quem é Michael Moore?
Uns dizem que é um documentarista, outros dizem que é um sensacionalista que não
se importa muito com o meio de expressão de que se utiliza; alguns ainda afirmam
que ele é um comediante e que seus filmes não devem ser compreendidos a partir
da leitura que se faz costumeiramente sobre documentários. SOS Saúde reitera
todas essas facetas de Moore – ou melhor, todas essas definições como realizador
que seus detratores e defensores expõem. O filme tem uma
mensagem bem clara e um alvo bem preciso. Moore abre com um daqueles discursos
desajeitados e patéticos de Bush filho, e obviamente, nada depõe a favor dele.
Desde o sotaque caipira, passando pela postura ridícula de “estadista poderosamente
inseguro”, o sorriso e o olhar de quem parece não saber ao certo o que está falando
e o que está fazendo, o olhar inconsequente dos idiotas. Bush é sucedido pelas
imagens de outros republicanos (embora sobre também para os democratas), em que
é evidente o ridículo do discurso de seus políticos. Isso serve de preparação
para a questão central que é o sistema de saúde americano, os planos de saúde
e da ineficiência da rede pública. Vai eleger personagens que foram caluniados
por caros planos de saúde que não cobriam as enfermidades que sofriam. Histórias
tristes e trágicas são dramatizadas com o registro da revolta e do desespero e
Moore sabe usar a trilha sonora como catalizadora de emoção. O
que Michael Moore quer dizer a cada filme, e nesse não é diferente, a partir da
imagem do presidente americano, é que a representação deste homem, que a cada
reação nos lembra de sua imbecilidade antológica e seu QI baixo, pode ser considerada
a síntese do que a cultura americana cultivou de pior durante sua história. Qualquer
pessoa com um mínimo de senso crítico não discordará da tese – e por isso, já
de saída, Michael Moore adota essa estratégia que estabelece um pacto entre seu
filme e o público: está na hora de criticar o american estabilishment fazendo
troça. E Michael Moore sabe que a idéia é eficiente e provocativa, já que coisas
como Saturday Night Live fizeram fama dessa maneira, fazendo piada com a política
e o modo de vida americanos e atingindo assim, o público mais moderno da televisão
americana. A adesão e empatia de um público consciente já estão, portanto, ganhas
pela sua postura – não pelo resultado concreto de seu filme. SOS
Saúde não é diferente dos outros trabalhos do diretor: é direcionado não só
ao público bem informado e que obviamente terá opiniões convergentes com Moore,
mas parece ter a intenção em ser, sobretudo, um veículo didático direcionado às
pessoas desinformadas dos Estados Unidos. Sendo assim, dá-lhe dados históricos,
comparações com outros países (em que os EUA saem perdendo), ridicularização de
figuras do cenário político, e melodramas com experiências reais e trágicas de
seus personagens. Tudo isso, em princípio, muito sadio. Um grande diretor como
Joe Dante fez a sua infâmia atual assim, a partir de dardos jogados diretamente
no cenário histórico-político dos Estados Unidos em seus últimos filmes pra TV.
Só que diferente de Dante, Michael Moore não tem exatamente a preocupação em urdir
um trabalho conceitualmente rigoroso, seu cuidado único é fazer uma ilustração
de temas que lhe preocupam. Moore se vale de muitos recursos
cinematográficos, mas toma todo cuidado necessário pra que eles sejam apenas de
“efeito”, não elementos que venham a problematizar suas escolhas. Uma montagem
para Moore serve para unir imagens, fazer graça, analogias e distinções. Tudo
se faz no nível da oposição: bom-mau, justo-injusto, negativo-positivo. Não que
se peça que ele torne uma figura como George W. Bush como uma imagem ambígua ou
um problema como o da saúde pública e privada dos Estados Unidos como um cenário
com pontos bons e ruins. Isso não é uma reportagem com a ilusão da imparcialidade
e não faria sentido em ser chapa branca. Mas, por outro lado, não seria nada mal
se o diretor optasse mais por escolhas de efeito menos óbvias. É como se a construção
por meio de imagens visuais e sonoras fossem um detalhe sem importância, é como
se elas não tivessem muito a dizer além do efeito imediato que venham a causar,
seja cômico, crítico ou dramático. Tudo é comparável a um filme de comédia escatológica
ou uma piada de mau gosto, que prefere ter graça por testar os limites do escrotismo
do que encenar o cômico e o grotesco a partir de um relato em que a graça vem,
sobretudo, do gênio e da originalidade. A dialética de seus
filmes é a de fazer distinções a cada questão social lançada e não transcender
um milímetro da sua tese. A graça e a crítica vem somente das “distinções”. Como
em Zorra Total e nos maus personagens de A Praça é Nossa, a piada muda de tema,
não de forma, não de estilo. A piada é sempre a mesma e o saco de risadas é automático.
Michael Moore tem coisas interessantes a dizer em SOS Saúde? É obvio que
sim. Mas ele prefere perder o filme (por completo) a perder a piada. Seu caminho
é um círculo: ele parte de uma questão para, enfim, chegar a ela. Outubro
de 2007 editoria@revistacinetica.com.br
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