Intrigas
de Estado (State of Play), de Kevin MacDonald (EUA/Inglaterra,
2009) por Filipe Furtado Com
cheiro de mofo
Intrigas de Estado é baseado
numa minissérie da TV britânica, com a qual divide muito das mesmas virtudes e
defeitos: uma crença na dramaturgia, atenção para detalhes, bons characters
actors nas margens, etc. Mas o que torna a comparação interessante é justamente
como a mera transferência de meios torna dois objetos audiovisuais a princípio
muito semelhantes em quase opostos. Seria fácil dizer que a superioridade do original
se dá por conta das 4 horas extras de material, mas se é verdade que isto permite
que muitos pontos fortes da produção se afirmem melhor, a grande diferença entre
Intrigas de Estado na TV e no cinema é de filosofia dos realizadores diante
do seu trabalho. O que impressiona quando observamos ambos os trabalhos é como,
sem nenhuma grande diferença de enfoque, a minissérie soa nova enquanto o filme
cheira a mofo. Que algo que pareça novo na televisão possa soar velho no cinema
até pode ser visto como sinal da modernidade maior do segundo, mas parece aqui
ser muito mais sinal das dificuldades do cinema americano de lidar com certas
formas hoje.
Comparar
ambos os Intrigas de Estado é observar como a primazia da dramaturgia,
com raras exceções (pensemos num James Gray, que não à toa tem recepção tão hostil
nos EUA), está bem distante da norma no cinema americano. Kevin MacDonald provavelmente
acredita que seu filme faz uma ponte com um “outro cinema americano”, mas seu
arcaísmo não é de alguém que recupera uma forma abandonada, mas simplesmente de
um burocrata. Há muito potencial num filme como Intrigas de Estado, exemplar
de um certo cinema (não exatamente excepcional, mas à sua maneira muito válido),
o dos thrillers de linguagem contida e seca (e, não por acidente, dois
dos roteiristas do filme, Billy Ray e Tony Gilroy, fizeram bons filmes neste formato).
No entanto, se, em virtude do que buscam, os filmes de Ray e Gilroy se associam,
por exemplo, aos filmes de um Alan J. Pakula dos anos 70, MacDonald parece querer
uma associação destas a priori, enxergando no material pouco mais do que
uma engrenagem que ele precisa manter em funcionamento enquanto bate ponto. Nos
dois filmes de Ray (O Preço de uma Verdade e Quebra de Confiança,
ambos baseados em fatos verídicos) podemos não acreditar que seu desejo quase
jornalístico por uma narrativa sem enfeites que se atenha aos fatos equivalha
a um estilo documental, mas não é difícil perceber que exista ali uma crença genuína
numa determinada verdade daquelas histórias e daqueles atores, realçada pela contenção
com que tudo é filmado. Já neste Intrigas de Estado não pode existir verdade
porque, antes de mais nada, não existe propriamente uma dramaturgia, somente uma
escaleta de eventos da trama que o filme precisa ultrapassar. O filme pode até
buscar para si a posição de alternativa a um Exterminador do Futuro 4 ou
Star Trek, mas falta-lhe a convicção para traçar seu percurso. Não restam
dúvidas de que, sempre que a oportunidade surgir, MacDonald abrirá mão das suas
opções em favor do efeito fácil. Tivesse um olhar no lugar de uma lista de objetivos,
MacDonald talvez reconhecesse que o mais contemporâneo na história que conta não
é a crítica um tanto histérica a internet, mas a relação promiscua que o jornalista
(Russell Crowe) mantém com seu amigo/assunto/fonte (Ben Affleck). Mas a opção
pelo foco em “como os blogs mataram o verdadeiro jornalismo” (que parece calculada
para servir de mimo para alguns jornalistas) não deixa de refletir um filme tão
obsoleto quanto os grandes jornais que pretende agradar. Junho
de 2009 editoria@revistacinetica.com.br
|