Sinédoque Nova York (Synecdoche, New York),
de Charlie Kaufman (EUA, 2008)
por Eduardo Valente

Refém do próprio jogo

Nesta sua estréia como diretor, o roteirista mega-hypado Charlie Kaufman se contenta em tentar resumir tudo o que pensa sobre a vida e a morte, e em como a arte pode (ou não) tentar dar conta destes temas. Só isso, mais nada. Num certo sentido, a única real surpresa por detrás do filme é o tamanho das suas ambições, sendo um filme de estréia, porque de resto ele segue absolutamente tudo que se poderia esperar, e retoma vários dos temas já explorados, por exemplo, em Adaptação, Brilho Eterno, Quero Ser John Malkovich, etc.

Não deixa de ser curioso que, em seu começo, Synecdoche chegue a dar a impressão (ou a esperança, no caso de quem não seja um ardoroso fã de Kaufman) de que vai ter um escopo bem menor e um andamento bem mais realista-narrativo. Não por acaso, é quando o filme é mais charmoso, misturando algumas tiradas realmente inspiradas com uma melancolia calma encarnada no corpo de Philip Seyour Hoffman. Ele vive o diretor de teatro de uma cidade pequena que, enquanto monta A Morte do Caixeiro Viajante, vai encontrando todos os sinais de que sua vida vai se encaminhando para o final, sem que ele tenha conseguido fazer muito de importante dela – e ainda percebe que está perdendo o contato com sua mulher e com sua filha de quatro anos. Logo, porém, as pequenas tiradas se tornam grandes piadas surrealistas, a melancolia se torna depressão, e Kaufman mergulha em plena forma no seu estado maníaco-depressivo de cinema auto-referencial que todos conhecemos.

Que não se negue ao diretor a bravura da distância a que se dispõe a ir neste esforço em parecer dar conta de tudo que se pode falar sobre a vida e a morte (“it’s about everything”, diz um personagem num certo momento). Os personagens vão se sucedendo de maneira impressionante (sempre com atores de grande intensidade), o tempo avança em elipses bastante grandes, as locações idem, e Kaufman parece não ter qualquer limite na quantidade de espelhos que vai levantando no seu roteiro, cada um se olhando por fora de si mesmo, até que sobra pouco ao espectador como opção do que simplesmente observar de bem longe o tamanho das ambições em jogo. Claro que há momentos isolados realmente inspirados, pequenas reflexões relevantes, mas Kaufman parece acreditar de fato que isso tudo misturado na forma de uma catedral barroca da ficção (e um dos óbvios jogos de espelho se dá entee o filme e a cidade que o diretor de teatro vai construind) só superdimensiona seu efeito, quando o que se dá é exatamente o contrário: na medida em que cresce feito um bolo hiperfermentado, Synecdoche vai perdendo aquele charme e contato real que tem no seu começo. E o disforme monstro que é o seu filme termina por engolir de vez esta estréia de Kaufman.

Maio de 2008

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