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Exterminador do Futuro: A Salvação (Terminator Salvation), de
McG (EUA, 2009) por Eduardo Valente
Cinema-cinema
O
começo de O Exterminador do Futuro: A Salvação pode até assustar o espectador
que tenha relações afetivas maiores com essa série que nos brindou antes com três
belos filmes (algo raro para franquias high profile dos estúdios norte-americanos).
Isso porque, entre o uso bastante radical de uma imagem descolorida e da câmera
na mão, podemos pensar que este quarto filme marcará a rendição dessa série, que
atravessou três gerações bem distintas de blockbusters de ficção científica
entre os anos 1984, 1991 e 2003, a uma estética hiperrealista, tão em voga hoje,
e que parece bem capaz de aprisionar este marco dos grandes delírios apocalípticos
da história do cinema numa relação com o “mundo real”. Mas, quando a sequência
caminha para seu clímax num plano-sequência que culmina com um desastre de helicóptero
que, ao mesmo tempo em que parece reforçar, desafia frontalmente as convenções
deste cinema “realista”, podemos começar a relaxar e nos lembrar que o homem por
trás deste filme é aquele mesmo McG que realizou o seminal As Panteras Detonando
– filme que, mais do que qualquer coisa, demonstrava uma enorme consciência (e
até radical devoção) aos poderes do delírio de um cinema sempre consciente de
si mesmo como construção livre, e quase sem limites. É
claro que, como realizador inteligente que é, McG não busca aqui repetir os procedimentos
daquele filme: O Exterminador do Futuro: A Salvação não poderia ser mais
distinto em tom, ambições e realizações do que As Panteras Detonando. No
entanto, por trás de toda a dureza do universo que retrata (tanto na dimensão
gráfica de sua composição como na situação em que vivem os personagens) e do tom
sério com que propõe algumas questões (várias delas com uma
sensação firme de ironia na seriedade, diga-se), O Exterminador
do Futuro: A Salvação nunca deixa de lado uma dimensão bastante presente de
uma diversão compartilhada entre realizador e platéia. Diversão que remete bastante
a As Panteras Detonando principalmente pela maneira como funciona muitas
vezes como uma exibição quase autônoma de sequências de ação que, para além da
capacidade de fazer com que a história siga adiante rumo a um determinado ponto
ou levante este ou aquele dilema para os personagens e o espectador, parecem acima
de tudo preocupadas na maneira como constroem em si mesmas pequenos grandes momentos
de prazer e maravilhamento visual (e sonoro, já que o som multicanais é muito
explorado pelo filme). É o caso acima de tudo em momentos como a perseguição do
caminhão, os ataques (de um exterminador e de uma nave) numa abandonada Los Angeles,
da fuga do pelo campo minado ou do confronto físico final na sede da Skynet. Para
além deste teor de impacto sensorial puro e simples, McG trabalha aqui com um
outro grau de prazer – uma outra camada, por assim dizer. É que como seus filmes
anteriores já nos tinham muito mais do que preparado, ele é um realizador que
sabe bem do seu papel como alguém que vem depois de toda uma história – e essa
dimensão ganha um tom irônico bastante firme quando são dadas a ele as rédeas
sobre uma franquia de tamanho sucesso e presença no imaginário quanto esta aqui.
Por isso, mais do que se imaginar somente um continuador de uma história (nem
muito menos um “revolucionário” que precisa deixar sua marca e renascer, à
la Nolan), McG parece divertir-se muito em cotejar constantemente os filmes
que vieram antes dele e construíram a mitologia à qual agora ele soma um filme.
Assim,
ele se permite desde deliciosamente tolas referências diretas (como a frase “I’ll
be back” ou o uso de “You Could Be Mine”, música do Guns N’ Roses que se grudou
ao Exterminador 2 como poucos casos recentes entre canção e filme) a retomar
com outro tom situações específicas importantes dos filmes anteriores (como a
tentativa de parar um exterminador com o uso de calor e frios extremos ou o rosto
dividido entre máquina e homem). Mais impressionante, porém, é a maneira
como ele molda um filme que em determinados momentos remete ao modelo de ação
física brutal e direta do terceiro episódio da série (algo marcante, de novo,
na sequência do caminhão – que faz pensar ainda em Mad Max 2); em outros
usa a tecnologia digital de ponta para criar mundos e imagens entre o impossível/nunca
visto e a dimensão física firme (algo que marcou o segundo episódio); e ainda
em outros retoma soluções de efeitos e de desenho de ambientes, cenários e figurinos
que remetem às origens lo-tech do primeiro filme da série. Para uma mitologia
cujas bases falam da relação entre passado, presente e futuro, esta
constante ida e vinda parece bem mais consequente do que uma simples auto-referencialidade
poderia deixar antever. Nenhum destes momentos é mais impressionante,
porém, do que a inesperada (pelo menos para quem não souber que ela aconteceria,
como foi o meu caso) aparição do “exterminador original” em cena (de novo, retomando
a exata maneira como ela se dava no primeiro filme, com direito a nu e a fumaça).
Porque, mais do que qualquer brincadeira ou curtição (presentes, diga-se), o que
este momento permite é justamente que a maneira caótica e iconoclástica com que
McG trabalha as suas referências se case perfeitamente àquele que é o grande tema
do filme, afinal: as fronteiras entre humano e máquina. Até aquele momento da
narrativa, o filme trabalha esta questão de uma maneira surpreendentemente dramática
(surpresa esta devida tanto ao fato de que John Connor e Kyle Reese, até
então os personagens protagonistas da série, acabam tendo presença francamente
coadjuvante frente à força de Marcus Wright no filme, o personagem que encarna
este dilema; quanto pelo fato mesmo de vermos McG se dedicando tanto à efetiva
construção deste personagem como uma presença com verdade cênica dolorosamente
presente), que em alguns ótimos momentos aproxima o uso do filme das relações
entre os humanos e as máquinas daquilo que George Romero atingiu com seus zumbis.
Ali, porém, a questão deixa de ser dramática e se encarna fisicamente: ao retomar
um corpo (o de Schwarzenegger) que se projetou para além da tela do cinema como
mito e figura pública ao ponto de tornar-se governador da Califórnia, e torná-lo
uma figura virtual que retorna à dimensão de presença cênica independente mesmo
do corpo que a tornou significante, McG embaralha totalmente as fronteiras e os
paradigmas de relação dos personagens (e, portanto, do espectador) com as figuras
humanas ou aquelas criadas por computador. No meio de um filme que transita o
tempo todo (com talento enorme) entre o tolamente divertido e o tolamente sério,
esta seqüência comprova para os que ainda duvidassem que, de tolo mesmo, McG não
tem nada. Junho de 2009 editoria@revistacinetica.com.br
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