textículos - edição
especial festival do rio 2011
(em ordem alfabética)
Bonsai
(Bonsái), de Cristián Jiménez
(Chile/Argentina/Portugal/França, 2011)
por Raul Arthuso
Há algo inusitado em Bonsai: sob
a capa de uma obra leve, quase uma comédia romântica, o filme
de Cristián Jiménez versa sobre assuntos muito sérios e profundos
– as relações amorosas, as frustrações, a solidão, a inabilidade
com o mundo. No fundo, seria um filme deprimente, não fosse leve.
Isso não quer dizer, em absoluto, que Jiménez ameniza as situações
em favor de uma leveza forçada. Julio (Diego Noguera), frustrado
por não conseguir o emprego de digitador de um manuscrito de um
escritor mais velho, vai mentir descaradamente para sua namorada,
enquanto escreve um romance baseado em seu outro relacionamento.
Todas as cenas em que a namorada critica o romance, pensando ser
o autor deste o famoso escritor para quem Julio supostamente trabalha,
trazem alta dose de constrangimento: Bonsai encara as situações,
colocando em primeiro plano o constrangimento da defasagem entre
os que as pessoas são, e o que procuram parecer. Nesse sentido,
há uma relação com o cinema de Wes Anderson: tanto um quanto outro
se valem de personagens cheias de vicissitudes para discutir as
relações (amorosas aqui, familiares em Anderson) e a imagem que
elas têm de si mesmas – com narrativas pontuadas pelo amor à literatura,
ou melhor, o gosto pelo livro enquanto material: a tipografia,
a textura da página, a divisão em capítulos. Enfim,
Bonsai é um interessante filme sobre a dualidade ser/querer
ser.
Dia de Preto, de Marcial Renato,
Daniel Mattos e Marcos Felipe (Brasil, 2011)
por Juliano Gomes
Já
não é primeira vez que, na seção Novos Rumos do Festival
do Rio, nós da Cinética nos deparamos com filmes onde dificilmente
se pode intuir algum novo caminho, alguma tentativa ou risco real
que possa resultar em desenvolvimento artístico de qualquer natureza.
A inclusão de Dia de Preto na seção talvez se dê pelo seu
modelo de produção (sem apoio estatal), que, apesar
de estar longe de ser o primeiro a fazer isto recentemente, talvez
dessa maneira possa configurar o apontamento de uma nova direção.
Mas a experiência de assisti-lo acaba por ser completamente nula,
na medida em que trata de um filme que não para de lutar contra
si mesmo (e conosco). Este é o seu drama. Não há uma só cena que
apresente qualquer tipo de variação interna ou um só plano que
não tenha um tom de cinismo infantil que não permite nenhum sentido
escapar, e conseqüentemente, existir. Tal falta de articulação
mínima, e a persistência de uma reiteração que se confunde com
uma tentativa de hiperestilização e intertextualidade (De Era
uma vez no Oeste à abertura antiga do Fantástico), são combinadas
com um fundo sócio-político que inviabiliza ainda mais a possibilidade
digna de utilização das ferramentas do filme de gênero. A suposta
parábola sobre a “liberdade” é, na verdade a luta do filme consigo
mesmo, que ao tentar tornar cada plano “diferente”, “expressivo”,
não cessa de se afundar mais numa nulidade absoluta, pois não
consegue se livrar justamente dos enunciados que, não por acaso,
dão nomes aos seus personagens (Preto, Corno, Chefe, Vaca, Patrão).
Essa alforria, uma das mais importantes em se tratando de arte,
é justamente o que Dia de Preto não consegue obter nem
por um instante.
Entre
Segredos e Mentiras (All Good Things),
de Andrew Jarecki (EUA, 2010)
por Filipe Furtado
Andrew
Jarecki atraiu muita atenção com seu documentário de estréia Na
Captura dos Friedmans, muito mais graças a encontrar
a história e material certos do que pelo filme que construiu através
deles. Anos depois, Jarecki apresenta esta sua estréia na ficção,
novamente baseada num bom gancho verídico - desta vez o caso do
herdeiro de uma rica família de Nova York com histórico de ver
pessoas inconvenientes desaparecem entorno dele (em particular
sua esposa). Jarecki drena a história de qualquer interesse ao
buscar um tom pseudo-jornalístico, quase como se quisesse pedir
desculpas pelo teor sensacionalista que é a única razão do interesse
que ele desperta. Entre Segredos e Mentiras é menos um
filme movido por um ponto de vista e mais por um sentimento de
auto-desprezo. Nada mais previsível que boa parte dele seja povoado
por signos de óbvia respeitabilidade: da presença em cena de Ryan
Gosling acompanhado de todos os tiques de “grande atuação” que
Jarecki lhe foi capaz de lhe sugerir, aos psicologismos que explicam
seu comportamento (ele assistiu o suicídio da mãe!) até a gratuita
estrutura em flashback que emoldura a ação. Por toda sua busca
por uma autoridade jornalística, Entre Segredos e Mentiras
é um filme completamente desprovido de detalhes; tudo nele é genérico,
em parte para diminuir seus pontos mais excessivos e muito porque
falta a Jarecki imaginação para localizá-los na sua história.
O filme mais que se satisfaz em colocar na tela sua história verídica
de forma funcional e respeitável.
Vale dos Esquecidos,
de Maria Raduan (Brasil, 2011)
por Raul Arthuso
Existe
uma contradição evidente em Vale dos Esquecidos:
no início do filme, a diretora Maria Raduan, através
de uma narração, expressa o desejo de voltar ao
Mato Grosso, em região de conflitos de posse de terra,
para entender os rumos que o problema tomou. Para materializar
isso, a câmera se coloca em campo, filma a região,
as pessoas, procura os envolvidos nas questões da posse.
Por outro lado, evita o conflito, primeiro ao não criar
grandes momentos de mal estar (exceto talvez por uma pergunta
ao prefeito da cidade), mesmo quando lidando com políticos
ou latifundiários aos quais o filme claramente se opõe,
algo que a diretora não se furta em fazer. E, também,
no ápice do conflito, quando as forças em jogo retratadas
no filme partem para o choque, há apenas fotos de arquivo
ilustrando os eventos. É como se o conflito estivesse distante,
frio, como um campo de estudo a ser entendido de fora para dentro.
O grande sintoma disso é o
tratamento dado aos dois estrangeiros entrevistados que vivem
na região e comentam aspectos do conflito. Eles são
os personagens mais “heróicos”, “honrados”
e equilibrados, como se sua condição de estrangeiro
desse o distanciamento suficiente para entender a mecânica
das relações e propor caminhos. No fundo, essa identificação
da diretora com os estrangeiros parece uma identificação
com a própria condição da realização
de não pertencer àquele lugar, mas buscar olhar
o todo. O que o filme faz é ser um mediador das questões:
aponta os excessos para amenizá-los; mostra os culpados,
mas nunca os julga; coloca as vítimas, sem vitimizá-las.
Busca-se um pacto conciliatório entre as partes: evita-se
assim o choque, seja do realizador com aquele espaço de
ação ou das partes entre si.
Vaqueiro (Vaquero),
de Juan Minujin (Argentina, 2011)
por Raul Arthuso
Vaqueiro
é um filme feito de frustrações – no caso, do ator Júlian
Lamar
(interpretado pelo próprio diretor Juan Minujin)
que deseja reconhecimento, dinheiro e mulheres, mas atualmente
não tem nada disso. Há, porém, uma inocência na construção dramática
do filme: Minujin
usa uma narração repleta de raiva, pontuada por uma música drum n’ bass
pesada e grave, como se as pulsões de Lamar
brigassem intensamente com suas ações. É um contraponto que, aparentemente,
causaria um humor de constrangimento que, exceto por seu último
teste para um filme, não se concretiza nas situações, sobrevivendo
apenas como efeito. Nesta última cena, construída como ponto alto
para o personagem, há um raro momento onde essas vontade de humor
de constrangimento e frustração são intensos. De resto, Vaqueiro
raramente faz do constrangimento, humor, e nunca é profundo e
engraçado.
Viagem a Portugal,
de Sérgio Tréfaut (Portugal, 2011)
por Pedro Henrique
Ferreira
Viagem
a Portugal se utiliza
do digital para chapar os fundos junto ao primeiro plano e, através
de uma fotografia dura que demarca a separação das áreas e dos diversos
tons de preto e branco,
criar um estilo de linha mais rígido, bloqueando no quadro a perspectiva.
O fundo é esvaziado e armado como uma parede que impede o trânsito
das figuras para uma profundidade de campo, forçando com que se
monte uma
certa planimetria.
Este conjunto de procedimentos estilísticos serve a razões discursivas:
Viagem a Portugal aborda o atualíssimo tema da imigração,
porém a partir justamente da impossibilidade de se transitar,
de uma xenofobia que a própria lei estabelece e que, mesmo que
às vezes tome o tedioso tom de denúncia, o diretor Sergio Trefaut trata com uma
finissima
ironia. Como nas imagens que cria, as bordas da questão são bastante
acentuadas, e os espaços completamente confinados. Este método
é cabível em um filme que se passa quase inteiramente num aeroporto,
numa sala de imigração onde Maria (Maria de Medeiros), uma médica
do leste europeu que não fala português, é detida ao visitar o
marido senegalês em Portugal. O
traço pictórico e o desenho das perspectivas são interrompidos
a fim de que a imigração mesma e suas burocracias sejam enxergadas
como mecanismos rígidos, anti-naturais, de fronteiras
demarcadas e sem qualquer horizonte.
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