A Ponte (The Bridge),
de Eric Steel (EUA, 2006)
por Eduardo Valente

Snuff movie

As primeiras imagens de A Ponte deixam o espectador curioso: vários ângulos da Golden Gate, uma das mais belas pontes do mundo (como o documentário informa, votada uma das sete maravilhas do mundo moderno). Até que a imagem se centra em um determinado homem, parado na beira da ponte, olhando para baixo. Depois de um tempo assim, ele salta sobre a mureta de proteção, e se lança no espaço, no que a câmera acompanha o seu vôo para a morte. Forte, sem dúvida, a imagem também provoca imenso mal estar sobre a sua captação para o filme. O que pareceria a princípio uma pergunta (“qual o limite ético de um cineasta a filmar algo real?”), se torna uma resposta enfática depois que a câmera continua seu movimento, e encontra um homem que veleja com sua prancha de kite surf no mesmo espaço em que o homem acaba de se suicidar. Corta para uma entrevista com o mesmo kite surfista, falando sobre a dualidade entre a celebração da vida que é o esporte, convivendo com o desejo da morte. Corta para um clipe de imagens de kite surf.

Não é preciso ser nenhum Jacques Rivette (que escreveu um clássico artigo sobre a moral que um movimento de câmera pode revelar) para saber que Eric Steel está além de qualquer postura ética perante as imagens. Ao longo do filme, vemos como ele dispõe suas câmeras (pois é, descobriremos depois que há mais do que uma câmera!) filmando constantemente a Golden Gate em busca de imagens de suicidas. Imagens estas que ele espera encontrar, já que sabe (um letreiro no final do filme revela) que aquele é o lugar do mundo onde mais gente se mata. Mas, não só ele filma, como entrevista pessoas que estavam presentes como testemunhas, o que deixa certo um trabalho de produção local, onde o câmera se comunica com alguém próximo da cena, que procura as testemunhas (captadas pela câmera), para pegar seu contato e marcar futuras entrevistas. Embora Steel pareça esquecer disso, fazer tudo por um filme tem limites.

O golpe de Steel é fingir que seu filme é sobre “tentar entender os motivos de quem se mata”, através de entrevistas com familiares, amigos próximos daqueles que pulam da ponte. Mas o argumento não resiste a dois pontos simples: primeiro, que este tema não pede o específico da ponte – poderia ser explorado com qualquer suicida, que escolha qualquer método para se matar. As perguntas e respostas feitas ao longo do filme são banais, nada ilustrativas sobre um tema tão exaustivamente explorado (e ainda que seja, segundo filósofos, o único tema realmente sério a se discutir, não será aqui neste filme). Segundo, porque de fato haveria toda uma série de perguntas sobre o específico da ponte: por que as autoridades permitem a presença de pessoas no beiral da ponte se há estatísticas com números tão impressionantes?; por que a mureta de proteção é tão baixa?; por que um sistema de vigilância com câmeras (como as que Steel usa com outros fins) não seria instalado? Qualquer documentarista minimamente sério sobre o tema teria que se fazer estas óbvias perguntas para justificar a escolha da ponte como foco num documentário sobre suicidas.

Mas, claro, não é sobre suicidas, suas razões e a ponte Golden Gate que trata o filme de Steel. O que ele realmente documenta é o fascínio pela imagem da morte de um ser humano. Fascínio do espectador, claro, mas também do realizador. Que espera, senta, busca estas imagens. E que depois as usa para criar suspense na montagem de seu filme documental, jogando com imagens de pessoas que não vão se matar (aha!), e priorizando um personagem mais “dramático” (com seus longos cabelos negros no vento), só mostrando sua morte quase no final do filme, após inúmeras cenas do seu desespero na beira do “precipício”. Curiosamente, no meio do filme surge um fotógrafo que tirava fotos da ponte, quando viu alguém que ia pular. Continua tirando fotos, até que decide largar a câmera, intervém na realidade, e salva a pessoa. Na sua entrevista, ele discute o tema da necessidade de largar a estética de lado frente uma realidade maior. Não se pede o mesmo de Steel, porque ninguém precisa abraçar uma carreira de salvador. Pede-se apenas que ele não seja calhorda o suficiente para desejar a captura daquelas imagens e seu futuro uso, com supostos fins “sérios” - quando, de fato, faz um snuff movie.


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