in loco - cobertura dos festivais
O
Dia em que Ele Chegar (Book Chon Bang Hyang),
de Hong Sang-soo (Coréia do Sul, 2011)
por Raul Arthuso
Encontros
e desencontros
É
a velha história: muitas pessoas descendentes de italiano
viajam à Itália para conhecer seus parentes e pensam
que, chegando lá, lhe servirão as melhores macarronadas,
os grandes gnocchis, as irresistíveis lasagnas
como pratos especiais da culinária local. Porém,
o requinte está em outro tipo de cardápio, com ostras,
cogumelos, assados de cordeiro. Em certa medida, é a mesma
expectativa que o público ocidental tem do cinema da Coréia
do Sul: o exotismo que deu popularidade aos filmes do país,
seja na estranheza do uso do gênero em Bong Joon-ho, na
violência plástica de Park Chan-wook ou nos dramas
de Kim Ki-duk. Diante de um filme de Hong Sang-soo, essa expectativa
cai por terra. Não há monstros (internos ou externos),
não tem violência, não tem psicologia “à
asiática”... apenas o homem comum em seus conflitos
mais básicos, até mesquinhos, relacionados ao amor,
à amizade, aos encontros casuais, ao trabalho, à
criatividade.
O novo filme de Hong Sang-soo repete as características
de seu auteurisme (os personagens relacionados com o
mundo do cinema; as conversas de efemeridades em volta da mesa
de refeição; a bebida), mas trazidos para um contexto
da dicotomia causalidade/acaso que parece estar no centro da narrativa.
Em dado momento, o protagonista Sang-joon, um diretor de cinema
(outra recorrência na obre do cineasta) em período
sabático, fala sobre o impulso do homem em enxergar uma
sucessão de causa e efeito onde só há uma
série de acasos. E a graça de O Dia em que Ele
Chegar vem exatamente da sucessão de encontros (e
conseqüentemente, desencontros), propiciando o intenso humor
da trajetória de seu protagonista.
Assim, Sang-joon vai beber com jovens estudantes de cinema que
não viram seus filmes; ter um relacionamento relâmpago
duas vezes com uma mulher que esquecera o primeiro encontro de
tanto que bebeu; encontrar várias vezes ao acaso uma atriz
que, como ele, parece perambular pela cidade procurando seu lugar.
No fundo, esse é o grande conflito de Sang-joon: ele procura
seu lugar, encontra as pessoas e as abandona, como que tentando
aderir, ancorar em porto seguro. Daí a sucessão
de personagens com quem passa a noite conversando, mas de quem
foge também inexplicavelmente (e a cena com os estudantes
de cinema é uma espécie de pílula desse modus
operandi de Sang-joon). Tudo isso regado a muita bebida:
as conversas se passam na maior parte do tempo ao redor da mesa
após algumas doses e sempre terminam com alguém
propondo um brinde.
Se
O Dia em que Ele Chegar é uma obra muito engraçada,
também é um filme bastante melancólico, na
medida em que não tem medo de expor a profunda tristeza
que atinge o protagonista (a cena em que ele implora à
sua ex-namorada que volte para ele é de tão rara
beleza quanto dor) e deixar à vista seus defeitos e patetices
mais mesquinhos - como por exemplo, o ator de um de seus filmes
que não recebeu telefonema dele após perder o papel
para um ator mais famoso. Então, toda aquela bebida ganha
outro sentido, servindo ao esquecimento das mágoas e também
ao prazer da alegria, transformando o filme em uma andança
entre momentos de sobriedade/tristeza, bebedeira/alegria e suas
possíveis intercambiações (e mais uma vez,
a garota com quem Sang-joon tem um romance sofrer uma “amnésia”
por causa da bebida é um belo achado, pois sintetiza essa
transitoriedade).
Assim, por seu uso dos diálogos, seu humor melancólico
e sua economia de planos, o espectador ávido pelas classificações
talvez coloque Sang-soo como uma espécie de “Eric
Rohmer e Woody Allen da Coréia” sem se levar em conta
que, se um diálogo é possível, as diferenças
são tão marcantes quanto Paris e Nova York são
diferentes de Seul. Pois, o filme traz muito do universal que
há no homem comum, mas respira o ar de seu local, daquele
tipo de reunião em volta da mesa, da rotina própria
dessa cidade. Se há algo bastante universal em seu cinema,
é a capacidade de olhar microscopicamente o ser humano
e seus pequenos conflitos como se fossem grandes questões.
E isso o deixa à parte de qualquer classificação.
Outubro de 2011
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