in loco - cobertura dos festivais

This is England (idem), de Shane Meadows
(Inglaterra, 2006)

por Julio Bezerra

Arqueologia da experiência

Seguindo uma tradição de cinema realista social inglês, o roteirista e diretor Shane Meadows é como um ponto de interseção entre Ken Loach e Alan Clarck. Desenvolve um cinema de investigação social fundamentada em performances realistas e em cuidadosas caracterizações de personagens. Em sua primeira metade, é inevitável não tocar na palavra verdade, pois existe ali uma verdade particular dos personagens e das situações em que se encontram. Meadows tem olho para os menores detalhes e consegue não só capturar o clima sem lei de uma pequena e deteriorada cidade provincial das Midlands, mas também nos transmitir impressões de como é viver ali. O cineasta recria toda uma subcultura skinhead, das músicas à vestimenta, e sublinha suas origens como um movimento juvenil baseado na fusão do multicultural Mod londrino com o Rude Boy jamaicano.

This is England começa em julho de 1983, no último dia de aula, poucas semanas depois de Margaret Thatcher ser reeleita com a grande maioria dos votos. A anomia é geral, e Shaun (Thomas Turgoose), um menino de 12 anos, está em luto pela morte de seu pai, soldado falecido em combate neste espasmo pós-colonial que foi a Guerras das Malvinas. Duas figuras paternas entram em sua vida. Woody (Joe Gilgun), um skinhead por opção de estilo, e Combo (Stephen Graham), um skinhead de mente, corpo e espírito. Em determinado momento é preciso decidir entre eles. Shaun faz a escolha errada. Neste começo, This is England se estrutura como um belo estudo de personagem, através do qual Meadows manifesta seu interesse por histórias marginais ainda não necessariamente interligadas a um problema ou quadro social maior. Cena por cena, o filme se mostra eficiente e cativante. Nada soa fake, e o filme mais parece uma espécie de arqueologia da experiência.

Turgoose traz personalidade e pathos para o papel. Shaun é menino frágil e à deriva, mas cheio de potencial. Sua atuação sublinha o papel do personagem no cinema de Meadows. Nos identificamos com ele, mas não nos confundimos com ele. Não há sublimação. No mais, Meadows se recusa a ver seus personagens sob o prisma da dualidade e do maniqueísmo. Se Woody e Combo representam respectivamente o bom e o mal skinhead, o filme toma todo cuidado para não transformá-los em meras ilustrações. Ambos são qualificados em suas emoções e motivações e não são simplesmente meras condensações políticas. O amor paterno e recíproco que Combo sente por Shaun é genuíno, assim como sua promessa romântica a Lol. E o personagem ainda incorre freqüentemente em incoerências que apenas o tornam mais rico. Meadows tenta evitar julgar essa ou aquela postura deste personagem. Não faz nenhuma questão de reprová-lo ou legitimá-lo. Mantém-se aparentemente distante, mas não imparcial.

O grande problema de This is England se dá quando Meadows substitui a estrutura episódica de sua primeira metade, em busca um arco maior. O filme cai um pouco nessa transição do micro para a macro, do pessoal para o político, do estudo de personagens, para a análise social. No fim, ao som de uma bela cover de “Please, Please, Please Let Me Get What I Want” do The Smiths, Shaun joga uma bandeira que Combo lhe havia dado no mar – uma rejeição simbólica não só ao nacionalismo exacerbado, como também à arrogância transatlântica de Thatcher.  A história desse menino se desenrolava até então como um conto cautelar sobre a susceptibilidade dos jovens à idéia de que existe uma resposta certa, mas Meadows escorrega ao reduzir algumas de suas perguntas a questões de paternidade.

Outubro de 2008

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