Aqui é o Meu Lugar (This Must Be the Place),
de Paolo Sorrentino (Itália/França/Irlanda, 2011)

por Fabian Cantieri

Imperdoáveis

Ozzy Osbourne encarnado em Sean Penn dá o tom do começo de Aqui é o Meu Lugar. Em princípio, parece que assistiremos ao novo concorrente de Sundance (que, na verdade, competiu em Cannes), com uma sucessão de sátiras em cima de “The Osbournes”; mas, em pouco tempo, com a morte do pai de Cheyenne (Penn), o filme se rearranja internamente para se tornar uma caçada anti-nazista. A morte impulsiona uma jornada existencial atrás de vingança.

Como em toda estrada americana, afetos momentâneos lhe trarão o brilho singelo do instante percorrido, desencadeando uma opaca sensação de preenchimento. Mas, diferente de um Na Natureza Selvagem, dirigido pelo próprio Sean Penn, aqui a busca é teleológica. Lá, o Alaska representava uma bandeira a se fincar intuitivamente, sem saber o porquê, apenas se atendo à sua urgência; aqui, foi Aloise Lange (Heinz Lieven) que humilhou o pai de Cheyenne (Penn), um judeu em Auschwitz, e o vazio que assombra o protagonista não se associa diretamente à sua meta e sim a um trauma sem solução: a morte de dois de seus fãs por causa de suas letras. Temos um personagem niilista que enriquece com a crença e vontade de outro. Sua luta e a possível chance de conquista, pertencimento e completude não vêm de um desejo interno, mas se projetam indiretamente pelo desejo do pai.

A vingança comumente é despertada pela dor alheia mas, em Aqui é o Meu Lugar, Cheyenne luta uma guerra que não é sua. Antes do encontro com Aloise, olhando para o retrovisor se apreende uma narrativa auto-implosiva em certas ocasiões, mas uma decupagem e um signo de intenções bem coerentes. De fato, é um filme de vingança, mas sua semelhança com Kill Bill, por exemplo, pára por aí. No filme de Tarantino, existe um abraço ao gênero que estimula uma torcida fervorosa à morte de Bill. Chegada a hora da última batalha (e única possível), um novo espanto: quando encontramos Aloise, a câmera tenciona empatia ao velho nazista de uma forma, no mínimo, estranha. São três os pontos narrados por Lange e são três movimentos de câmera idênticos que se repetem em cada um (com a exceção do último, que permanece sem cortes para descortinar Cheyenne ouvindo). São três as vezes que chegamos até o senhor na cadeira de rodas, três tiradas de óculos, três chances de vislumbrar sua reação: nada de remorso, apenas a mesma fisionomia impávida e distante, mas que, de tão anêmica, impõe solidariedade.

O ex-rock star bota a mão no bolso, mesmo bolso em que sempre ficava o revólver, e puxa uma câmera digital. Empunha o instrumento de frente ao seu adversário (ou adversário hereditário), tira-lhe os óculos escuros e atira (to shoot) uma foto. Aí estaria o êxtase da dor por apropriação – uma foto que funcionaria como memória do sofrimento de seu pai, sempre latente de ser revivido por Cheyenne. Mas não é o suficiente. Aqui é o Meu Lugar constrói seus passos dificultando a morte de seu inimigo, como acontece em Kill Bill (ou até em Bastardos Inglórios, mais próximo ao tema). Seu tom de quermesse indie – que nos embriaga, entre risos e dores – nos lembra a velha premissa do produtor hollywoodiano que exige o happy end (ou, nesse caso, a ausência de mortes traumáticas), e assim, quase que naturalmente, o ato mais extremo se torna a humilhação, dente por dente.

O que vemos, logo após o disparo da câmera, é uma cena conflitante com todo o resto apresentado - conflito que não se dá em termos de ação progressiva (necessidade de vingança que resulta em humilhação), mas quanto ao limbo que se impõe: Midler (Judd Hirsch) se espanta ao ver Aloise Lange saindo pelado de casa, mas nem de perto incorpora a abjeção filmada (e ainda consente com um risinho no canto de boca). O que surpreende não é propriamente sua vingança, mas como isto é posto em cena. Como um filme que, até então, conseguia contrapor o pessimismo diletante do rock oitentista a um espírito que ria de si mesmo perde sua sabedoria (e leveza) histórica para se render tão facilmente à impossibilidade do perdão? De mãos atadas diante de um problema histórico, Paolo Sorrentino enfrenta-o com uma fúria ensandecida.

Na possivelmente mais bela cena do cinema de Béla Tarr, um grande plano seqüência de Werckmeister Harmonies acompanha uma invasão a um hospital onde os rebeldes quebram tudo e todos até chegar a um velhinho nu, tão corcunda e enrugado quanto Lange, numa banheira com uma parede de azulejos chapada ao fundo. Nenhuma saída sobra ao idoso e, neste momento epítome da dignidade humana, ao ter aquela imagem impregnada em suas retinas, os rebeldes dão meia volta e saem. Como uma cena pode remeter tão imediatamente à outra e ser tão assombrosamente diferente? A resposta se dilui pela mise en scène mas não de um enquadramento, travelling, ambience ou o que for. Sempre existirá, ao fim, um tom posto incrustado na diegese fílmica. O tom que nos dava a graça, nos dá o terror de não conseguir imaginar tamanho algoz.

Setembro de 2012

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