Transylvania (idem), de Tony Gatlif
(França, 2006) por Leonardo Mecchi
A
Romênia cigana e pitoresca de GatlifDescendente de
ciganos, nascido na Argélia e com cidadania francesa, Tony Gatlif tem se debruçado
em sua filmografia sobre uma das questões mais candentes da Europa pós-Muro de
Berlim: a (re)definição das identidades nacionais. Em Exílios, filme anterior
de Gatlif, tínhamos um casal de franceses de descendência árabe que voltava à
Argélia em busca de suas origens. Agora, em Transylvania, temos a garota
italiana que mora na França e encontra uma nova identidade, cigana, em sua viagem
à Romênia. Não temos mais a identidade sendo definida pelo país de origem, mas
sim construída a partir dos anseios, experiências e afinidades do indivíduo. Trata-se
de uma espécie de globalização das identidades nacionais, onde as fronteiras físicas
não são mais uma questão e as únicas que precisam ser transpostas são as interiores.
E é justamente na interioridade sempre turbulenta de seus personagens que Gatlif
foca seu interesse. Personagens repletos de cicatrizes e traumas (cujas origens
nunca são reveladas), de sexualidade exacerbada e paixões irrefreáveis. Os personagens
de Gatlif – e aqui a escolha de Asia Argento e Birol Ünel para os papéis principais
se mostra bastante acertada – amam loucamente e sofrem na mesma intensidade, aproximando-se
de animais selvagens em sua relação quase instintiva e incontrolada com os sentimentos.
Em
meio a esse caldeirão de paixões, culturas e idiomas (inglês, francês, italiano,
romeno, húngaro e russo são algumas das línguas faladas ao longo da projeção),
a música surge como único meio comum de expressão, transbordando por todo o filme.
Música essa que, para Gatlif, tem uma função quase sagrada, muitas vezes explicitada
diegeticamente – como na seqüência do exorcismo da personagem de Argento, espécie
de cena-irmã do transe religioso de Exílios. As aproximações
com o filme anterior se estendem também através da história de amor inconseqüente;
das identidades que mesclam e transcendem nacionalidades; através da apologia
a um certo nomadismo que traz na viagem, e não no destino, revelações e epifanias
que levam os personagens a encontrarem um novo equilíbrio, ainda que instável
e efêmero. Em Transylvania, entretanto, o diretor consegue conter um pouco
mais sua câmera, que em Exílios insistia em buscar, em detrimento do próprio
filme, aquele plano ou efeito que explicitasse seu domínio sobre a linguagem. Curiosamente,
com essa maior contenção do diretor (que mesmo assim ainda cede várias vezes ao
apelo puramente plástico de determinadas tomadas), perdeu-se também o que o filme
anterior tinha de mais forte: a fluidez da viagem e a energia quase carnal/sexual
de alguns planos. Transylvania nos joga diretamente numa situação de crise,
nos cola a uma personagem já quase enlouquecida sem que tenhamos tempo ou interesse
de nos preocuparmos com ela. A busca pelo ex-namorado torna-se
assim quase uma desculpa para introduzir a personagem estrangeira naquele ambiente
(diferentemente da motivação mais vaga, porém crível e potente, de Exílios)
e tal conflito se resolve quase tão prontamente quanto nos foi apresentado. A
partir daí, o road movie que se sucede parece patinar numa falta de rumo
que enfraquece mesmo as cenas mais emblemáticas do filme (como o exorcismo de
Zingarina, a autoflagelação de Tchangalo ou a cena do parto). Há ainda, nessa
viagem à Romênia profunda dos personagens de Transylvania, um inquestionável
quê de folclorização daquele ambiente que acaba por sabotar o retrato naturalista
buscado pelo diretor. Se não chega ao extremo de um Kusturica
(diretor com quem guarda algumas afinidades), Gatlif ainda assim resvala num recorte
bastante pitoresco da Romênia e do universo cigano que depõe contra a postura
francamente política do diretor. Temos assim personagens locais se sucedendo como
caricaturas de si mesmos, e seus hábitos e rituais sendo observados com a curiosidade
de um turista que, tal qual a cena de abertura do filme, parece guardar apenas
retratos instantâneos tirados da janela de um carro em movimento. editoria@revistacinetica.com.br
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