Um
Homem Bom (Good), de Vicente Amorim (Inglaterra/Alemanha, 2008) por
Paulo Santos Lima Tentando
ser um diretor bom
O cinema, em sua natureza,
requer grandes mobilizações criativas e de gentes técnicas para chegar a um diálogo
sobre aquilo idealizado previamente. Existe, no caso desse Um Homem Bom,
uma modéstia ao longo do filme, um certo comedimento em se extrapolar as regras,
em controlar demais a luz, a atuação, o movimento da câmera ou o corte da edição,
que leva a crer que Vicente Amorim teve como maior preocupação fazer bonito na
sua primeira direção no (e para o) estrangeiro. Todos os problemas que surgem
no filme vêm justamente desse cuidado, dessa reverência ao “certo”, dessa tentativa
de Amorim ser um diretor bom. Claro que seria injusto não perceber que a ausência
de controle é inevitável, uma vez que Amorim está trabalhando num projeto que
não é dele, e que envolve vários profissionais, inúmeros produtores e tal. Mas
é bom não nos esquecermos que uma posição de câmera ou atuação de elenco dizem
diretamente respeito ao diretor – e, claro, quem assina a direção é Vicente Amorim,
o que o obriga a responder pelo filme. Um
Homem Bom é a história de conscientização de um homem ingênuo, cuja benevolência
o leva, sem querer, a cometer atos discutíveis (descartar imperiosamente a esposa
pela orientanda mais nova e bonitinha), graves (abandonar, por força dos acontecimentos,
a mãe senil numa casa vazia) e medonhos (trabalhar para os nazistas). Assim, o
escritor e professor John Halder, grande idealista e humanista, escreve um livro
que defende a eutanásia para um personagem em sofrimento extremo à porta da morte,
obra que o faz cair nas graças da cúpula de Hitler, que vê em sua articulação
uma habilidade útil para narrativizar os intentos do governo nacional-socialista.
De bom homem, Halder torna-se um bom nazista. Viggo Mortensen, ainda que mal dirigido,
traz na sua imagem um interessante registro no olhar parvo com que compõe este
personagem, que teima em não enxergar as evidências, deixando o amigo judeu ao
léu da SS para, apenas no final, tomar consciência dos acontecimentos que ocorriam
a metros do seu nariz. Só que seu olhar por si só não dá relevância maior ao filme
ou ao personagem, como percebemos na maneira reiterativa e redundante como se
mostra que Halder é um sonhador alienado. Vemos isso, por exemplo, nos momentos
em que personagens em situações-limite tornam-se fantasiosamente músicos de uma
banda qualquer. Se esta solução é desastrosa, fora do registro
sóbrio adotado pelo filme, por outro lado, curiosamente, permite que o filme conclua-se
muito bem, num último plano interessantíssimo: um plano-sequência de Halder visitando
um campo de concentração à procura do amigo. Além de ficar claro de antemão o
insucesso da busca, o que vemos nessa cena, com a câmera agindo muitíssimo bem
como jamais o fizera ao longo do filme, é um espaço sem a espetacularização recorrente
no cinema sobre este tema. Troca-se o modelo de Spielberg e vai-se para algo que
parece ter vindo do próprio “naïf” (com aspas, salientando) realizado por
Amorim: prisioneiros ali e lá, uma desorganização típica desses lugares medonhos,
o descampado, a negação a uma imagem totalizada do campo. A câmera segue Halder
até o momento e que ele encontra uma banda de detentos alquebrados que toca a
mesma música com a qual ele sonhava e diz, pra si mesmo, “é real”. É uma conclusão
de uma grande obviedade, mas que, pela imponência que o movimento de câmera cria,
todo cheio de boa moral, não cortando o plano e encontrando em seu passeio vários
elementos vivos, cria um final estilisticamente interessante (e que deixa claro
que o roteiro é um problema e tanto neste filme). Vendo
o filme de cabo a rabo, fica impossível deixar de ligar a trajetória do diretor
e do personagem. Vicente Amorim, ao reverenciar aqueles que o acolheram à direção
(e certamente tendo em mente a aventura autoral de Babenco, o afinco de Meirelles
e os arremedos de Bruno Barreto e Walter Salles), toma os devidos cuidados e aplica-se
em repetir uma tradição de imagens nobres, acabando por servir ao sistema, assinando
um trabalho na linha dos filmes de Richard Attenborough e Lasse Hällstrom. Vende
a sua alma ao se inclinar a um roteiro fora de esquadro e construir uma narrativa
atrapalhada pelo peso da farda. A continência batida diz muito sobre um artista
(Lang acatava muita coisa vinda dos produtores, porém subvertia em várias outras),
mas seria injusto não reconhecer que o brasileiro repetiu a consciência de Halder
sobre os horrores ao seu redor ao assinar esta direção (ou seja, sendo em princípio
responsável pelo que está na tela). O que Amorim não pode esquecer é que, para
o cinema, não basta ser um bom diretor. O ímpeto pela imagem vem de dentro, de
uma moral outra, de anjo e demônio artista. Halder, por exemplo, era um dos caras
mais bacanas, e pasma a todos ver o estrago que ele consentiu. Outubro
de 2008 editoria@revistacinetica.com.br
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