Adeus, Primeiro Amor (Un Amour de Jeunesse),
de Mia Hansen-Løve (França/Alemanha, 2011)

por Pedro Henrique Ferreira

O mesmo rio

É curioso como, apesar de um dos seus temas centrais ser a arquitetura, Mia Hansen-Løve opte por evitar filmar sistematicamente construções arquitetônicas. Seguindo a heurística de seus filmes anteriores, e o que já se tornou uma cartela de uma parcela do cinema francês atual, Mia Hansen-Løve registra mais as pessoas do que as estruturas. Todos os quadros são povoados por corpos, e são eles que guiam todos os movimentos do quadro, seu ritmo e suas pausas. O quadro é posto sempre à altura do rosto, numa analítica sutil de motivações e sentimentos interiores, mas nunca lhes exacerbando, evitando que lágrimas ou sorrisos saltem aos olhos. O que se cria é uma atmosfera naturalista que, magistralmente, verte seus climas por detalhes, micro-construções que atuam no ambiente, mas nunca chamam atenção a seu próprio artifício.

É bem curioso também que este estudo psíquico que perpassa por sentimentos de perda, solidão e agonia, não exija silêncios bergmanianos, mas justamente, uma abundância de diálogos. Ora, isto remete a esta visível exigência onde o silêncio exagerado perigaria fissurar o pacto naturalístico que Hansen-Løve põe acima de tudo. Numa forma muito à Pialat (filtrado, talvez, por Assayas), as cenas se interrompem bruscamente sem que isto também gere jump cuts ou um sentido de ruptura, visto que elas seguem à risca esta continuidade criada pela proliferação das falas e dos deslocamentos dos personagens. A arquitetura, tanto quanto o peso do silêncio que abarca tantos sentimentos interiores, são dois grandes ausentes que agem secretamente sobre o fluxo existencial daquelas pessoas que estão continuamente a falar e se mover.

Todo este pacto naturalista faz remissão aos filmes pós-férias de Eric Rohmer. A estrutura básica de um Conto de Inverno, por exemplo, se repete: um casal vive o ápice da paixão, num estado edênico de sublimação e inércia, até que o homem desaparece repentinamente. É quando, tal qual um anjo caído, a mulher lança-se ao mundo com este eterno sentimento de perda, procurando erguer-se e estruturar-se no que seria um amadurecimento típico do estar-no-mundo mais primordial. Porém, não há satisfação plena, dado que não se pode achar no mundo o gozo arrebatador daquele estado paradisíaco vivido anteriormente. Separada de Sullivan (Sebastian Urzendowski), seu primeiro amor que partiu numa viagem profana à América do Sul, Camille (Lola Créton) encontra seu espaço no mundo, se torna arquiteta e se casa com seu professor.

É neste ponto que o platonismo de Mia Hansen-Løve se afasta do idealismo religioso agostiniano que Eric Rohmer postulara em Conto de Inverno. No filme de 1992, a personagem principal, Félice (Charlotte Véry) perambula de caso em caso sem nunca se entregar inteiramente a um homem, numa eterna espera para que aquele amor primeiro retorne. Esse retorno ocorre numa experiência de teofania, num milagre após uma oração numa igreja: mediante um pedido a Deus, retorna-se ao estado edênico anterior. A solução que Mia Hansen-Løve dá ao impasse diverge daquela de Rohmer. O primeiro amor, Sullivan, retorna para que ambos, aos poucos, retomem o que haviam começado. Mas neste processo que gera, além do prazer, a paralisia, é que o casal descobre a impossibilidade do amor em sua plenitude; ele cria uma imobilidade e cristalização que simplesmente os impediria de viver. Por isto, ele volta a se afastar dela. Diferentemente de Rohmer, estamos diante de uma crença na impossibilidade de realização concreta do ideal – na tese claramente colocada nos lábios de um dos personagens, este amor ideal é o que define o que um homem se torna, influi na vida sob uma meta que este persegue, mas sob o prejuízo da estaticidade, não pode em hipótese alguma ser vivenciado: é como o rio próximo à casa de férias onde Camille e Sullivan costumavam se encontrar – um rio onde ele um dia mergulhou e deixou sua marca,  e onde agora ela entra perseguindo o chapéu que um dia ele lhe deu – um rio que muda, mas é também sempre o mesmo.

Dezembro de 2011

editoria@revistacinetica.com.br


« Volta