admirável mundo novo
Um novo tipo de jogador por
Ilana Feldman A
vitória de Diego Gasques, o Alemão, neste último BBB7 foi paradigmática. Depois
de sete edições do programa, assistimos ao início de um segundo momento e movimento,
marcado, agora, por mudanças significativas nos critérios de votação e eleição
do finalista milionário. Se nas edições anteriores foram premiados, predominantemente,
personagens que se destacaram por uma espécie de ingenuidade carismática, e performática,
vinculada à origem social humilde e/ou interiorana dos candidatos (caso, com as
devidas diferenças, de Kleber “BamBam”, Rodrigo “Caubói”, Dhomini, Cida e Mara
– tendo estas duas entrado na casa por sorteio e não através do processo seletivo),
vê-se agora uma guinada do perfil dos premiados.
Neste
BBB7 o elenco se tornou unissonamente mais jovem, de classe-média e, no geral,
mais urbano – o que contribuiu para destacar logo no começo as figuras de Alberto
“Caubói” e Íris “Caipira”. Também a possibilidade da entrada “pelo telefone”,
que abria a porta dos fundos para os mais “despossuídos”, foi excluída, segundo
a direção do programa para acabar com o assistencialismo social (que já estaria
tornando os finais do BBB previsíveis) e privilegiar o jogo enquanto jogo: o jogo
como um laboratório de condutas e reações humanas no bojo mesmo da disputa capitalista. Esta
mudança do perfil do finalista já havia sido anunciada com a premiação do baiano
Jean Wyllys, na quinta edição do BBB. Jornalista, professor, fã do programa e,
ao mesmo tempo, um espectador crítico, Jean, como Alemão, foi um jogador intuitivo
e brilhante. Porém, diferentemente de Alemão, não levou o milhão principalmente
por ter sido um jogador astuto, mas por ter, como personagem, personificado valores
morais positivos e politicamente corretos – de acordo com a agenda multicultural
do momento – como, por exemplo, assumir publicamente sua homossexualidade no primeiro
paredão para o qual foi indicado pela quase totalidade da casa, logo na primeira
semana do programa. Na ocasião, Jean intuiu que poderia estar sendo indicado justamente
por sua orientação sexual, gesto que o levou a trilhar, desde este momento, uma
narrativa do herói justo, iluminado e minoritário, porém (ou por isso) perseguido.
Encarnou assim a figura de um vitimado destemido rumo à redenção final, que só
se efetivaria através da suprema justiça, a justiça social. Assim foi, e, até
esta última edição, sua trajetória permanecia uma exceção se comparada à dos demais
ganhadores. No entanto, algo da narrativa construída pelo
personagem Jean veio para ficar de modo cada vez mais acentuado. Se Jean apresentava
um nível de consciência do dispositivo de vigilância em que estava inserido, o
vencedor do BBB7, Diego “Alemão”, tinha consciência de cada uma das câmeras: olhava
para elas, pensava alto para elas, sabia como se posicionar e como se encenar.
Era mesmo um diretor-personagem das cenas que construía, ou que catalisava sua
construção. O que não significa que ele fosse falso ou manipulador, nem que fosse,
antes da entrada na casa, um espectador engajado no programa. Alemão, conhecendo
ou não o dispositivo com intimidade, demonstrou ser, desde o primeiro momento,
um hábil (auto)encenador, cuja performance era construída a partir da exteriorização
de seus próprios conflitos e contradições. Como ninguém antes, soube emprestar
a seu personagem-corpo e a seu corpo-imagem um tipo de interioridade psicológica
que, em geral, falta aos outros personagens (mas nunca faltou a Jean, que, exceção,
possuía um perfil mais interiorizado). Essa
capacidade de exteriorização subjetiva esteve, durante o programa, articulada
a uma postura e a um questionamento auto-reflexivos. Não foi por acaso que os
dois personagens mais metalingüísticos do BBB7, Alemão e Carol, protagonistas
das conversas mais interessantes no que tinham de produção de auto-reflexividade,
chegaram à final. Mas não me parece que isso queira dizer que tenha havido qualquer
tipo de “distanciamento crítico” brechtiano ou antiilusionismo (como defendeu
bem Ricardo Calil na sua coluna no NoMínimo):
ao contrário, houve um aprofundamento do engajamento, já que a reflexividade inerente
ao formato e as atitudes metalingüísticas de vários dos personagens criam um novo
tipo de ilusionismo – agora mais poderoso e atraente, justamente porque se auto-questiona.
A personagem Carol, por exemplo, que passou a adolescência, bovaristicamente,
assistindo ao BBB, personifica a era da imagem e da imagem-de-si: produzida pela
imagem e produtora de imagem, ela dominava os códigos estéticos e narrativos do
BBB, indagando, muitas vezes, quais estariam sendo seus efeitos. Porém, longe
da autopunição a que a personagem flaubertiana se submete, no clássico
romance realista “Madame Bovary”, as subjetividades contemporâneas, produzidas
hegemonicamente pelo ideal de visibilidade total, são moduladas não mais pelo
binômio moderno vigilância e punição, mas pelo par controle e premiação. Carol,
no entanto, a bela morena de Copacabana, urbana, esperta e expertise, não
foi premiada com o milhão. Já Alemão, paulista do ABC, loiro, alto, bombado, de
classe média-alta, consultor de webmarketing e surfista nas horas vagas
– aquele tipo que, com toda sua inteligência, não dispensa olhares cafajestes
e tratamentos grosseiros -, foi quem levou a conta milionária no banco. Um perfil
elitizado, até então impensável para um vencedor do BBB. Alemão, espécie de “empreendedor
da própria vida”, poderia tranquilamente estar e, provavelmente, ganhar um reality
como O Aprendiz, da Record – tipo de “MBA para as massas” reproduzido no
Brasil pelo empresário e publicitário Roberto Justos. Alemão
foi premiado não porque tenha personificado valores positivos e minoritários (caso
de Jean), mas porque se colocou como um jogador profissional, apto ao jogo da
vida, do amor e, sobretudo, do capital. Profissionalização do jogo e no jogo que
indica uma guinada de valores – agora mais empresariais – e, possivelmente, uma
alteração do perfil do público espectador. Segundo matéria do Jornal do Brasil,
em 3 de abril, assinada por Mariana Caruso, a média de audiência do BBB7 nas classes
A e B foi de 48 pontos no Ibope, quatro pontos acima da média geral de audiência,
que entre 9 de janeiro a 20 março marcou 44 pontos. Mas,
como tudo nesse mundo – especialmente em se tratando de reality shows –
é sempre mais complexo do que parece, esse profissionalismo elitizado foi construído
ambigüamente, aliado e alinhavado a estratégias narrativas chanchadescas e folhetinescas.
Tais estratégias foram sendo desenhadas, e foram desenhando, o personagem de Alemão
a partir da criação de um triângulo amoroso com Fani e Íris, evento inicial catalisador
da narrativa. A partir daí, os temas em torno do triângulo começavam a tecer uma
história de amor, justiça e vingança: o arrependimento pelo desejo carnal por
Fani, o sentimento amoroso por Íris, os ciúmes (ora de Fani, ora de Íris), a recusa
e o perdão de Íris, o julgamento moral do Caubói, a perseguição do triângulo e
a vingança de Alemão. Como se vê, sua trajetória como justiceiro e vingador, ao
defender até o fim a honradez de Fani e Íris, lutando pelo amor da última, o colocou
em um enredo cujo final há muito estava bem encaminhado, e cuja edição tentou
forçosaamente reeditar o antagonismo entre dois grupos que
marcara o BBB5. so tentou forçadamente reeditar um
antagonismo maniqueope, quatro pontos acima da modutora de imagem, ela dominava
os c Encarnando
então um personagem que faz a mediação entre as classes A e B e as classes C e
D, Alemão unia a performance de um jogador carismático e profissional – cujo modelo
de beleza responde ao padrão de qualidade global – aos enredos populares do melhor
dos folhetins. Assim, os capítulos de cenas picantes, debochadas e agressivas
indicavam uma promessa final: na lógica dessa narrativa, a concretização do amor
romântico só se realizaria através da ascensão social. O que significa que a conquista
do beijo da amada estava diretamente vinculada à aquisição do milhão. Na moral
do espetáculo é assim: quem tem sorte no jogo, tem sorte no amor. editoria@revistacinetica.com.br
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