Vou Rifar Meu Coração,
de Ana Rieper (Brasil, 2011)
por
Filipe Furtado
Amado Batista contra a maldição
do CPC
O que pensamos quando nos referimos à cultura popular?
O grande mérito de Vou Rifar Meu Coração
é delinear bem esta questão. Não é
uma questão com a qual lidamos bem: o intelectual brasileiro
nunca se livrou da maldição do CPC; menos pensa
o popular e mais quer definir de antemão do que ele trata,
buscar um essencial nacional, positivo e de qualidade, que nos
justifique. Quando Odair José, no meio do filme, diz que
o que chamamos de música popular brasileira é na
verdade a música popular de Ipanema, há certamente
rancor, mas sem deixar de delinear algo real. A música
brega tem uma sujeira que preferimos disfarçar, uma pobreza
que não combina com o ideal do nacional. A varremos, como
varremos no cinema a pornochanchada. Inverte-se a ordem das coisas
e o popular se transmuta em popularesco.
A
comparação com a pornochanchada é bem útil;
num texto do seu começo de carreira, Inácio Araújo
a delineou bem: “O público quer ver problema sexuais
em cena, preocupa-se com isso e não tem dinheiro para pagar
o psicanalista. A Pornochanchada é o divã do pobre.
Não há mal nisso. Os letrados é que são
pudicos. Desprezam (ou temem identificar-se?) a sensualidade meio
selvagem dos iletrados, falam em ‘seriedade’, em ‘problemas
nacionais’, mas está na cara que isso é um
biombo. A ordem (social) está toda montada para que a classe
média tire o corpo fora, não se meta com esses problemas
sujos”. É este mesmo o principio organizador do filme
de Ana Rieper.
Nos seus melhores momentos, Vou Rifar Meu Coração
pouco faz alem de colocar sua câmera diante dos seus personagens;
mais do que falar, suas faces expressam uma satisfação,
estas canções significam-lhe algo, respondem a um
desejo. Se Vou Rifar Meu Coração é
um bom filme é porque identifica estes personagens sem
coisificá-los. Não são expressões
do “popular”, tipos para um estudo, mas pessoas para
quem esta música importa. Não é um processo
que Vou Rifar Meu Coração realiza sempre
com grande elegância (As Canções,
de Eduardo Coutinho, trabalha sobre dispositivo similar, se mais
envernizado, mas o faz com mais desenvoltura). E é certo
que o filme é desigual, muito mais forte quando lida com
os fãs do que com os músicos, em seqüências
que tendem ao protocolar. Não importa, porém, pois
Vou Rifar meu Coração tem um ponto de vista
e o apresenta com desenvoltura, sabe onde quer ir e o alcança.
Nestes momentos em que a cineasta se encontra com seus personagens,
lida com a idéia de popular com muito mais vivacidade do
que o cinema brasileiro costuma alcançar, perdido que é
entre os seus Lisbelas e A Pedra do Reino. Dezembro de 2011
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