X-Men
Origens: Wolverine (X-Men Origins: Wolverine), de Gavin Hood (EUA, 2009)
por Francis Vogner dos Reis O
espírito íntegro da aventura de segunda linha
Filmes
de super-herói nos últimos anos geralmente vêm acertar as contas da fantasia com
os problemas do mundo real. Na verdade, para quem acompanha quadrinhos de super-heróis,
há muito tempo os super-heróis e o universo das HQs ganharam contornos mais humanos
e muitas histórias propunham parábolas de questões que convulsionavam o “mundo
real” no momento em que foram criadas (vide as obras de Frank Miller e Alan Moore,
sobretudo na década de 80). Nos últimos anos, alguns filmes de super-heróis ganharam
tons solenes na ponte com os problemas históricos contemporâneos, seja como um
simples comentário político sem ressonâncias mais complexas (Homem de Ferro),
seja na inteligência da atualização do repertório simbólico (Superman)
ou por outro lado, na estupidez de um projeto que se concebe como uma alegoria
de alguma coisa (Batman – O Cavaleiro das Trevas). No
caso dos X-Men, que surgiram nos quadrinhos em um contexto de luta pelos direitos
civis, não é de se estranhar que exista nas histórias do grupo um componente fundamental
que é a afirmação da diferença, o seu quinhão dentro de responsabilidade ante
o caos do mundo, os extremistas liderados por Magneto, etc. Os dois primeiros
filmes baseados nestes heróis, dirigidos por Bryan Singer, já equilibravam todas
essas variantes, porque se contentavam em explorar as potencialidades ficcionais
dos heróis com um grafismo tão bonito quanto o Superman (do mesmo Singer).
Até por isso, talvez os fãs daqueles X-Men bonitos e alinhados vejam (com
razão) em X-Men Origens: Wolverine um caça-níqueis cafona, desleixado e
um tanto simplório, desde sua trama em que está ausente a psicologia social dos
outros filmes até a sua plasticidade, não muito distante de qualquer aventura
feita diretamente para o mercado de DVD. De fato, comparando
este projeto-solo do Wolverine aos outros filmes de super-heróis mais recentes,
este se assemelha a um artesanato cinematográfico barato, que se fascina com as
possibilidades mais aberrantes desses heróis. Os personagens não têm relevo, as
situações existem como espetáculo técnico e absurdo que deve mais ao pitoresco
de certos filmes de ação B exploitation do passado, do que aos filmes mais recentes
que foram baseados em quadrinhos. Na verdade, X-Men Origens: Wolverine
lembra bastante aquelas ficções científicas da Golan-Globus e da Cannon Group
ou alguns trabalhos de Jean-Claude Van Damme. O
próprio fato de a história se passar no Canadá ajuda que a atmosfera de aventura
barata se amplifique – aventura essa que não está distante das tramas trash
do diretor Albert Pyun (Capitão América, a série Nemesis, Cyborgue
o Dragão do Futuro), com tipos que caberiam bem a atores como Louis Gosset
Jr, Brian Denehy, Dolph Lundgren, Christopher Lambert e Meg Foster. Muitos trechos
do filme tiram do baú os dispositivos dramáticos dos filmes de segunda linha das
décadas passadas, como imagens de lembranças (com eco de frases, geralmente remetendo
a alguma dor ou trauma) sobrepostas à cena de reflexão do herói; grito do protagonista
para o alto enquanto segura um personagem morto filmado em plongée; um
vilão canastrão e covarde – mau, muito mau – a serviço de si próprio (bem diferente
dos vilões ideológicos dos três episódios de X-Men); herói saindo com majestade
de dentro de uma explosão, além dos cenários de céu e paisagens destruídas que
gritam a sua artificialidade, semelhante aos painéis pintados em ficções científicas
de duas ou três décadas atrás.
Numa
das primeiras sequências em que mercenários paramilitares mutantes (entre eles
Wolverine e Dente de Sabre) entram em uma fortaleza de criminosos na África, por
exemplo, o ritmo da ação e a performance dos atores atingem um nível de artificialidade
coreografada e sensacionalista que beira o cômico. No entanto, por mais que pareça
um produto comercial de outro tempo transportado para a era do CGI e da hipertrofia
da ação inaugurada por Matrix, o filme não consegue escapar de todos os
defeitos dos planos poluídos e caóticos do cinema de ação contemporâneo, já que
o diretor Gavin Hood não tem muita personalidade e nem rigor. Se X-Men Origens:
Wolverine tem seus méritos, é porque o diretor consegue empregar um ritmo
que não depende exclusivamente das pirotecnias e o material, por natureza, é vazio
e impermeável a toques muito pessoais do diretor. Portanto, Hood, que tem em seu
currículo aquele que pode ser considerado um dos filmes mais demagógicos dos últimos
tempos (Tsotsi) se põe a executar um trabalho de acordo com o que pede
o projeto dos produtores. Sua incompetência habitual é evidente, mas ele é um
diretor contratado que se limita a ser um mau artesão. A
história do mutante com garras e que é usado para uma experiência militar e ganha
inquebráveis ossos de adamantium, tem, em todas as suas unidades dramáticas (do
episódio traumático da infância à descoberta de uma série de traições) uma inevitável
moral do herói azarado e reativo – o contrário do superser abnegado e justo –
muito fiel ao Wolverine original dos quadrinhos. A graça de tudo isso é que o
filme não foge, minuto algum, do banal. É como se, com todos os seus atributos
naturais, defeitos dramáticos, excessos e acidentes formais, ele desvelasse o
verdadeiro ímpeto existencial desses super-heróis que é o de encarnar a fantasia
mais descabelada que não depende exatamente de uma camada ética que justifique
uma funcionalidade para além do entretenimento. Não que seja interessante que
o filme seja um produto vazio, pois não é questão de fazer um elogio ao lixo.
O valor de Wolverine está mais no esforço que no resultado. Busca ser um
filme que se valha por seu próprio universo ficcional, busca o fascínio mais pela
sua capacidade de criação de um universo do que de um diálogo (mesmo que vago)
com algum dado da atualidade. Como vimos em alguns filmes recentes essas pinceladas
que remetem às guerras e ao governo Bush, quando não são absolutamente dispensáveis
e oportunistas (Homem de Ferro no Oriente Médio), são imorais, porque se
colocam como leitura do estado das coisas, quando na verdade são é sintomas (Batman
- Cavaleiro das Trevas). Wolverine, sem ser um bom filme, tem alguma
integridade que falta aos filmes mais sofisticados do gênero. Junho
de 2009 editoria@revistacinetica.com.br
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