A Leste de Bucareste (A fost sau n-a
fost?), de Corneliu Porumboiu (Romênia, 2006) por
Cléber Eduardo
O ácido humor do tripé quebrado Em
um determinado momento de A Leste de Bucareste, estréia em longa-metragem
de Corneliu Porumboiu (ganhador da Camera d`Or em Cannes 2006),
o dono de uma pequena emissora de televisão questiona, durante um programa de
entrevistas do qual também é entrevistador, por que o cinegrafista está subvertendo
os enquadramentos. O cinegrafista, que já havia sido repreendido antes por filmar
um grupo musical no estúdio da emissora com a câmera na mão, retruca na lata:
"O tripé quebrou". Pois essa imagem do tripé quebrado e seus efeitos
na imagem do programa (e do filme) podem ser tomadas como metáfora-síntese de
uma recente leva de filmes romenos à qual tivemos acesso nas mostras do
ano passado - todos fincados no universo histórico/identitário do país (no fim
ou após a era Ceaucescu, ditador do período comunista, que caiu do poder na virada
de 1989 para 1990) e marcados por adotarem, ou serem adotados, pela "dramaturgia
do tripé quebrado". . Se o cinegrafista de A Leste
de Bucareste subverte o padrão de enquadramento ao tomar a câmera na mão no
estúdio de televisão, mudando o padrão "câmera no tripé" até o momento
da entrevista anedótica, nesses filmes também há uma subversão da estrutura organizadora
dos fatos exibidos. Esse cinegrafista, portanto, sintetiza os cineastas. Cada
um deles parece dar uma banana para uma noção adequada de roteiro, abrindo mão
da organização para se concentrar na força autônoma dos fragmentos. É como se
o tripé do roteiro, para insistirmos nessa imagem tão feliz, tivesse quebrado,
abrindo passagem para uma narrativa torta, às vezes destrambelhada, às vezes de
entendimento rarefeito ou confuso, mas que, justamente por conta dessa anarquia
menos ou mais controlada, impõe-se com frescor, vitalidade e originalidade.
A
primeira metade do filme é uma reunião de fragmentos filmados com razoável rigor,
câmera fixa, um humor controlado, apresentando, com essas características, ambientes
e personagens, porém com uma noção rarefeita de evolução narrativa. Temos já nesse
começo a autonomia das partes sobre a unidade do conjunto. De forma sutil, no
entanto. Na segunda metade, centrada na entrevista de televisão, dá-se adeus à
sutileza. Bem-vindos ao caos. A atitude da imagem, agora com poucas variações
de ângulo, muda completamente. O humor mergulha no insólito, sem medo de perder
a força com o esgarçamento e a repetição das piadas, até porque se, realmente
dá sinais de cansaço em alguns momentos, o filme logo retoma o fôlego adiante.
É um filme de momentos, com a primeira metade empregada como prólogo com três
núcleos narrativos, e a segunda como um extenso curta-metragem progressivamente
anárquico, de dar câimbra no maxilar. As gargalhadas extraordinárias da platéia
mostram que nenhuma comédia vista nos últimos meses conseguiu tal adesão de uma
sala. A piada de A Leste de Bucareste também tem,
à sua maneira, um lado sério com a história romena (ainda que sem a seriedade
cômica de Nanni Moretti em O Crocodilo). O alvo não é Ceausescu, mas seus
adversários. Durante a entrevista-show, desmistifica-se o heroísmo de supostos
revolucionários, que, em 22 de dezembro de 1989, horas antes do ditador cair,
teriam protestado contra o regime em uma cidadezinha. Mas teriam mesmo protestado contra
a presença do tirano ou apenas celebrado sua queda em praça pública? Essa é a
investigação feita, ao vivo, pelo apresentador do programa. Sob suspeita, um professor
de História (não por acaso), Manescu, conhecido por suas bebedeiras. Ao seu lado,
um velho hilário, Piscosi (o impagável Mircea Andreescu). Insinuando um processo
osmótico no processo de transição política, que teria acontecido em parte por
sua própria corrosão, o filme propõe o acerto de contas com o passado, mas apenas
para ridicularizar esse resgate e reivindicar um olhar para a frente, sem falsas
mitificações e sem ressentimentos engessadores. Não se trata de apagamento da
História, mas de uma libertação em relação a seus fantasmas. Até porque coisas
mudaram e outras permaneceram na substituição do comunismo pelo capitalismo (como
mostra o filme). Corneliu Porumboiu faz dessa consciência uma tremenda piada.
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