12 Horas (Gone), de Heitor Dhalia (EUA, 2012)
por Raul Arthuso

Fazendo sentido

Um pequeno caso recente envolvendo 12 Horas: quando do lançamento comercial do filme no Brasil, uma matéria na Folha de São Paulo trazia uma declaração de seu diretor, Heitor Dhalia, dizendo: “O filme não é meu. É do produtor. Fui apenas um matador de aluguel”. Ao lado da matéria, a crítica de Inácio Araújo, com a chamada “Diretor supera mau roteiro e faz, curiosamente, sue melhor filme”, na qual o crítico escreve em dado momento: “No entanto, e apesar de tudo, este me parece o melhor filme de Dhalia até hoje”. Seria, então, Heitor Dhalia um diretor “descerebrado”, cujo melhor filme é aquele em que o produtor tomou as decisões finais e não ele?

É claro que a questão é muito mais complicada, principalmente quando olhamos do Brasil para uma incursão de um diretor daqui em Hollywood, pois, no cinema brasileiro, a polarização de forças costuma ser invertida, com as decisões na mão dos diretores (nem sempre autores) e não na dos produtores. Para o bem e para o mal, o diretor ser subjugado pelo produtor em Hollywood ainda causa calafrios e uma boa dose de comoção. Pensar em 12 Horas como o melhor filme de Dhalia é colocá-lo em perspectiva dentro de uma trajetória autoral e para tanto seria necessário buscar uma marca, uma inquietação, uma repetição de preocupações do cineasta, algo transitando filme a filme, interligando-os para fazer jus à sua classificação dentro da política do autor. Essa marca necessariamente se cristalizaria exatamente quando o diretor tem de contrabandear seu talento dentro do sistema.

12 Horas, em essência, padece dos mesmos problemas de Nina, O Cheiro do Ralo e, mais evidentemente, À Deriva, que derivam de um ponto comum, uma mise en scène que se limita à superfície, reproduzindo modos de operação e cacoetes do universo ao qual se detém. Na verdade, cria-se um paradoxo com a idéia de mise en scène, na medida em que a reprodução de cacoetes no fundo nega o pôr em cena: Nina , O Cheiro do Ralo e À Deriva parecem não fazer sentido, como se as personagens perambulassem pelas situações, debatendo-se num espaço-tempo corrompido que prensa as idéias de personagem, dramaturgia e encenação numa fina camada de aparência. Pois o que mais salta aos olhos nesses três filmes é a localização sem referência, presa numa brecha entre passado (À Deriva) e futuro (Nina), mas que não é nem aqui nem agora (O Cheiro do Ralo). O mundo vira um lugar criado pela maestria técnica e pelo poder de parecer algo profundo, dinâmico, intenso quando na verdade se está girando em falso, perdido na própria busca em ser alguma coisa. É tempo-espaço retrô por excelência.

A incursão de Dhalia em Hollywood mantém sua marca: 12 Horas não passa de um thriller psicológico para causar suspense, apreensão e medo no espectador. A protagonista Jill está no limite da sanidade e tenta achar a irmã seqüestrada quando todo mundo duvida dela, pois a tomam como lunática. A narrativa tenta sustentar o imbróglio da loucura ou não, da verdade ou não, da dúvida ou não. Jill será perseguida por todos os lados. Para garantir cenas de ação, terá que gritar, correr, usar de esperteza. Falta, porém, o recheio da receita: uma personagem com uma atriz que consiga dar camadas para Jill, uma trama capaz de colocar o espectador num estado além do choque de tensão e da imagem escura criando um clima sombrio a fórceps.

Por outro lado, 12 Horas tem uma sustentação interna fundamental que falta à obra brasileira de Dhalia: o gênero. Se falta preencher lacunas em toda a construção do filme (como uma alma para um corpo), há um parco esqueleto que o mantém de pé. Pois todo o histórico do thriller trabalha a favor de 12 Horas (ok, talvez nem tanto), trazendo uma espécie de expertise própria do material, como se ele caminhasse sozinho. Fazer um filme de gênero deu ao novo filme de Heitor Dhalia o “sentido” do qual carecem os outros, pois a busca de À Deriva em ser um “filme de arte” torna-se inútil na medida em que 12 Horas já é alguma coisa de forma retroativa: um filme de gênero.

Se, por um lado, reproduzir cacoetes e aparências, permanecer na superfície sem tentar aprofundar as relações (onde estão as famílias das outras meninas desaparecidas; qual a relação de Jill com sua sexualidade ou, menos, qual sua relação com o espaço ao seu redor – trabalho, família, vizinhos) para que não sirvam apenas para manter correndo a narrativa e outros traços de autoria não acrescentam nada a 12 Horas, tornando-o apenas mais uma peça da força econômica da indústria, por outro eles também não agridem sua base de sustentação (como aconteceu com Água Negra, de Walter Salles, para ficar num exemplo interno) que, mesmo deficiente, produz algum sentido na bagunça.

Não sei se Inácio Araújo pensava nas fraquezas dos filmes de Heitor Dhalia como marca recorrente de seu cinema. Mas, acima de tudo, sua impressão em relação a 12 Horas (“este me parece o melhor filme de Dhalia até hoje”) faz todo o sentido. É um pouco como apontava André Bazin “o cinema americano é uma arte clássica. Por que, então, não admirar aquilo que ele tem de mais admirável, ou seja, não apenas o talento deste ou daquele criador, mas o gênio do sistema?”. O sistema, a indústria, às vezes, faz a vez de cineasta.

Maio de 2012

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