1958 - O Ano em que o Mundo Descobriu o Brasil,
de José Carlos Asbeg
(Brasil, 2008)
por Julio Bezerra

A taça é nossa

Aproveitando o gancho do 50º aniversário da conquista da primeira Copa do Mundo de futebol pelo Brasil, este documentário se dedica a reconstituir a trajetória vitoriosa da seleção brasileira na Suécia. A campanha é lembrada coletivamente por jornalistas, pelos jogadores brasileiros (Didi, Mazolla, Zagallo, Nilton Santos, Zito, entre outros) e seus oponentes suecos, austríacos, franceses, russos e galeses – a ausência do depoimento de Pelé é crucial, mas não diminui o filme. A organização do material é razoavelmente simples. Vemos imagens de gols dos jogos do Brasil, os depoimentos/lembranças de jogadores, dirigentes e jornalistas, até nos concentrarmos na partida final da Copa. Sem alarde, Asbeg investe ainda na encenação de algumas jogadas e invoca a figura de Nelson Rodrigues. Em uma bela seqüência, o cineasta encena Didi sozinho pegando a bola no fundo do gol e andando calmamente até a linha do meio de campo para reiniciar a partida. Uma cena que se integra harmoniosamente à tessitura da edição e reveste de grandeza a atitude do jogador.

A partida final contra a Suécia se configura como eixo principal, rompido freqüentemente por digressões das mais variadas que recontam a história da seleção canarinho desde o trauma de 50 até os jogos da Copa de 58. O filme tenta imprimir uma informalidade e um ritmo de conversa, que vai e volta ao assunto principal. Apesar de haver muito esquematismo nessa busca por uma fluência mais espontânea, 1958 segue cativante. Todos sabemos o final da história, mas somos convidados, nessa relação com a imagem e a informação já conhecidas, a revivê-la como uma narrativa de celebração do herói coletivo e de sua predestinação. 1958 aposta muito na emoção. O documentário foi elaborado de forma a deixar bem à mostra todo o entusiasmo dos entrevistados e Asbeg não tira o pé do acelerador nos quesitos som e música. Cada seqüência é pesadamente musicada com hinos, marchas ou temas heróicos. Trata-se de um documentário carregado por um tema. O assunto e as imagens são mais importantes que o filme em si. Asbeg fez na verdade um bom especial sobre a Copa. O filme evita aspectos polêmicos, como, por exemplo, a famosa resistência inicial dos dirigentes a jogadores negros, ou o fato pouco citado de Garrincha ter quase sido vetado devido a um teste psicotécnico.

Em miúdos: 1958 é um documentário oficial e chapa-branca. No filme, estamos em uma auto-celebração triunfalista. Em nenhum momento 1958 disfarça sua militância ufanista: sua narrativa assume-se como operação mitificadora, mais que documental, e evoca um discurso pra lá de discutível. Asbeg tenta comprovar a tese de que em 1958 o Brasil superou seu "complexo de vira-lata", e o comentarista Luiz Mendes chega a dizer que depois da copa passamos a ser uma nação. Descontado todo este exagero, o fato é que os anos 50 trouxeram muitas mudanças – pouco exploradas pelo longa, é verdade, apesar de Asbeg nos deixar entrever um país cheio de promessas, tão inspirado quanto inseguro. A década começa com uma derrota em casa para o Uruguai, o suicídio de Getúlio Vargas e a falência dos estúdios da Vera Cruz; e termina com o nascimento da Bossa Nova, a inauguração da Brasília de JK, e nossa primeira copa do mundo.

Vale dizer ainda que 1958 é uma experiência atordoante para os fãs da arte futebolística. É de fato um fluxo interminável de imagens de um futebol praticado com refinamento indescritível. Estavam juntos quatro dos maiores jogadores da história do futebol. Didi, eleito o melhor jogador da Copa, elegante criador do chute em folha seca; Nilton Santos, a enciclopédia do futebol; Garrincha, uma espécie de Macunaíma do esporte bretão; e Pelé, aos 17 anos. 1958 está aí para nos lembrar que estes craques existiram.

Julho de 2008

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