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Dias em Paris (2 Days in Paris), de Julie Delpy (EUA, 2007)
por Leonardo Sette Desconstruindo
o pôr-do-sol
2 dias em Paris começa
numa viagem de trem na Europa. No entanto, surgindo
em cena despenteada e com óculos de aros grandes, Julie Delpy parece querer
estabelecer de cara que, em seu filme, ao contrário dos de Richard Linklater que
a tornaram conhecida no circuito comercial (após ter aparecido aos 14 anos com
Godard em Detetive (1985) e Leos Carax em Mauvais
Sang, no ano seguinte), a palavra comédia fará bem
mais sentido do que romântica. Delpy se compõe, dessa vez, como uma Diane
Keaton alleniana, no lugar da bela francesinha também surgida num trem em Antes
do amanhecer (1995). Esse
primeiro aspecto interessante ganha força com o caráter extremamente pessoal do
filme de Delpy: ela escreve, dirige, protagoniza, edita, compõe a música e contracena
com os próprios pais para contar a história de uma frenética “DR” entre um nova-iorquino
neurótico, como em Annie Hall (1977), e sua namorada francesa que vive
nos EUA, como a própria Julie. É no roteiro, portanto, que a atriz-cineasta se
aplica desenfreada a rir de si mesma, da sua família, da conhecida relação amor
e ódio entre franceses e americanos, do mau humor e do desprezo dos parisienses
pelos turistas que entopem sua cidade. Julie Delpy compõe por aí um filme encharcado
de anotações de caderninho que, quando não estão sobrando em número ou obviedade,
fortalecem o ambiente através desse teor auto-referente. Nesses momentos, abertamente
devedores a Woody Allen, Delpy consegue formar um painel sólido que diversas vezes
chega a ser muito, muito engraçado. Se a Julie Delpy roteirista – indicada ao Oscar em 2004
como co-autora de Antes do pôr-do-sol,
de Linklater – parece ter realmente listado sem economia todas as piadas e comentários
inter-culturais disponíveis, a impressão permanece simpática pelo apetite de uma
cineasta iniciante inquieta, apaixonada por seu primeiro filme e, sobretudo, por
seu roteiro. Por
outro lado, é provavelmente esse apego entusiasmado ao texto que amordaça de certa
forma o filme, ao mesmo tempo que embala seus melhores momentos em ritmo non-stop.
Não que Delpy esteja despreocupada com outras zonas possíveis do cinema
– as composições da montagem do filme vêm com “sapequice”
e inquietude, além de criar alguns momentos bonitos. Mas talvez seja no
olhar, na câmera, no que costumamos tendenciosamente tratar como elemento excelente
do cinema, que Delpy gaste sua menor porção de energia, ocupada ainda com o trabalho
dos atores – entre os quais, além de seus próprios pais, aparece Adan Jodorovsky,
filho do cineasta Alejandro. É
assim que a “comédia romântica” de Julie Delpy enquanto pode fazer o espectador
lembrar de Encontros e Desencontros ou
Embriagado de Amor, é
claramente diferente desses dois filmes de cineastas de olhar extremamente marcante
(Sofia Coppola e Paul Thomas Anderson, respectivamente). Não deixa de ser divertido,
aliás, notar que enquanto a Marion de Delpy é uma fotógrafa profissional míope
que não consegue fotografar coisa alguma ao longo de seus dois dias em Paris,
Julie Delpy cineasta é roteirista, montadora, atriz e compositora antes de se
ocupar da câmera em seu filme.
Na fotografia, Delpy prefere minimizar
seu apetite criativo através de opções seguras, mas não totalmente desinteressantes,
como a escolha do fotógrafo búlgaro radicado na França Lubomir Bakchev, que vêm
trabalhando (muito bem) com câmeras digitais nos dois últimos filmes de Abdellatif
Kechiche, L’Esquive (2003) et La Graine et le mulet (2007), ambos
ganhadores do César de melhor filme. A câmera (digital) leve e solta Bakchev concentra-se
nos personagens da cineasta parisiense que se permite esnobar saudavelmente o
cenário de sua cidade natal. Delpy vai tranquilamente da tumba de Jim Morrison
no cemitério de Père Lachaise às caminhadas de Brando em O Último Tango em
Paris, num relaxamento que priva o espectador de tarimbados planos de localização
ou de seqüências deslumbradas, ao estilo Paris, je t’aime. 2
dias em Paris se faz através do humor, das piadas e dos estereótipos que Julie
Delpy cria e com os quais nitidamente se diverte: o pai libidinoso e glutão, o
conquistador francês, a falta de táxis, as brigas com desconhecidos nas ruas e
os maníacos de Paris – vale citar uma interessante participação de Daniel
Brühl, de Adeus Lênin!. De
fato, o foco cômico é especialmente concentrado no choque cultural (sexual-gastronômico)
do namorado nova-iorquino (Adam Goldberg) que, saudoso da América puritana, perdido
e chocado na esculhambação depravada de Paris, atravessa o filme num desespero
não muito diferente do de Paul Hackett no SoHo em Depois de Horas.
Um
filme interessante: em parte declaração de amor a Paris no estilo “mesmo assim
te amo” e, sobretudo, uma esforçada operação de desconstrução do carimbo jolie
fille française que Delpy carrega desde que apareceu num trem para Ethan Hawke,
como a Céline dos filmes de Linklater (ao lado). Março
de 2008 editoria@revistacinetica.com.br
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