Abraços Partidos (Los Abrazos Rotos),
de Pedro Almodóvar (Espanha, 2009)
por Daniel Caetano

Fantasmas

O novo filme do Pedro Almodóvar, de certa maneira, fecha uma trilogia: depois de A Má Educação e de Volver, este Abraços Partidos novamente trata da necessidade de sobreviver a um fantasma. E não é apenas este o ponto em comum que o filme apresenta em relação aos demais filmes de Almodóvar - mais uma vez os personagens têm paixões intensas, que transformam suas vidas; mais uma vez essas paixões levam à transgressão das normas e, assim, conduzem a trama a um momento doloroso de perda; e mais uma vez um personagem seu encontra finalmente uma forma de se libertar de sua dor e continuar a viver. Mas a constância no ressurgimento de velhos fantasmas é uma característica curiosa desta fase da trajetória do Almodóvar, cuja carreira já passou por tantas reinvenções.

No caso, o fantasma é Lena, a prostituta e atriz interpretada pela Penélope Cruz, cuja perda chega junto com a cegueira para o protagonista Mateo, levando-o a mudar de nome e identidade - e ele assume então um pseudônimo inglês: Harry Caine. A capacidade de Lena em despertar paixões provoca a trama do filme, que se organiza como um longo flash-back a partir de imagens da memória que, pouco a pouco, vão ganhando o acréscimo de imagens registradas que confirmam (no caso das imagens de making-of) e finalmente acabam por resolver o seu pathos, quando ele enfim pode reinventar e se conciliar com aquele pedaço do seu passado.

É assim, através da reconstrução das imagens previamente filmadas, que a atriz pode aparecer viva após o desastre; portanto, é desta maneira que o seu fantasma encontra a paz para Mateo. Ele faz o filme enfim mostrar sua vitalidade, ou seja, existir tal como deve ser - o que o motiva é justamente encontrar o vigor do seu projeto original, perdido por conta de uma montagem mal-feita. Refazendo esta montagem e dando-lhe vitalidade, ele remonta e pode aceitar o seu passado. E esta vitalidade surge da performance das duas atrizes, surge da capacidade que o filme tem de fazer humor e crença na cena.

No fim das contas, a conciliação do filme se mostra otimista, ainda que possamos dizer que este otimismo se baseie puramente numa profissão de fé na criação artística: para Abraços Partidos, a existência dos trabalhos mais vitais nos permite suportar a cegueira, a perda, até mesmo a morte.

Outubro de 2009

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