Achados e Perdidos, de José Joffily (Brasil, 2005)
por Francis Vogner dos Reis

Ponto de fuga

O gosto de José Joffily pela "natureza" do submundo, pelos marginais, pelos personagens fora de eixo talvez tenha encontrado em Achados e Perdidos uma forma, que se não é a mais original, é a mais pulsante, e aspira uma vitalidade que seus outros filmes de ficção (Dois Perdidos Numa Noite Suja e Quem Matou Pixote?, por exemplo) não têm. Talvez o fato de ter de lidar com os códigos mais rígidos do cinema de gênero (no caso o policial noir) tenha orientado o diretor a jogar com elementos cinematográficos mais objetivos, de maior efeito – o que em alguma medida também não deixa de ser mais arriscado e com resultados bem problemáticos.

As escolhas de Achados e Perdidos constituem uma espécie de via de mão dupla: o que insufla vida ao filme é o que também lhe nega uma liberdade que seria necessária para um filme pensado como este. Porque, na tentativa de contar uma "boa estória", Joffily se apóia no flashback como ponto de fuga, o que em doses homeopáticas localiza o espectador perante o drama e a condição dos personagens centrais. O flashback, aqui, não levanta questões, mas sim esgota as que são colocadas. Não se tem um jogo com o espectador, mas um jogo para o espectador. Não existe margem de dúvida, e o flashback acaba incitando a uma lei de causa e feito de uma objetividade um tanto pobre.

Apesar do diretor optar por uma nova investida ficcional em terreno diferente do resto de sua carreira, o relato sobre o ex-delegado interpretado por Antônio Fagundes, que tem sua namorada - uma prostituta interpretada por Zezé Polessa – assassinada, tem o mesmo mecanismo dos seus "dramas sociais" em que os personagens são suscetíveis a toda sorte de tragédias que só servem para constatar o azar dos fracos – para infelizmente, e mais uma vez, direcionar tudo o que tem em mãos para a realização de um comentário sobre o "país". Ë ai que se revela o limite deste cinema de José Joffily: um filme que começou cheio de possibilidades é subjugado pela tentativa de fazer um trabalho "coerente". Entenda-se coerência como um procedimento de auto-regulação do cineasta, que prefere um roteiro cheio de surpresas e espertezas e uma reflexão mais “aprofundada” sobre alguns temas de nossa realidade (no caso, na necessidade de um vilão, o gângster político é a escolha socialmente mais aceitável) do que explorar a capacidade ficcional de seus pontos de partida. Talvez se o cineasta buscasse como referência um pouco de Samuel Fuller (pois o filme carecia de uma moral de reação e não há exatamente uma reação) ou de Fritz Lang (no "estudo da vingança"), teríamos um filme diferente.

Apesar de algumas deficiências, na sua totalidade Achados e Perdidos não se sai mal, tendo em vista que seus maiores problemas são partilhados por muitos dos filmes brasileiros que se aventuram nas regras do cinema de gênero. No geral estes dividem não somente problemas básicos na maneira de filmar, mas conceituais mesmo, porque muitos deles parecem não conseguir se bastar como peças de ficção, e possuem certo pudor em ser um trabalho de gênero. É quase uma regra a inserção de um “drama político” como se isso conferisse responsabilidade a um produto que tradicionalmente é visto como mero entretenimento. No fim das contas, dentro deste panorama, Achados e Perdidos tem um saldo bastante razoável. Os primeiros flashbacks do romance entre a prostituta e o ex-delegado, e algumas cenas solitárias do personagem de Antônio Fagundes pela cidade noturna, atingem uma rara graça. Talvez sejam as melhores cenas que Joffily já tenha filmado, e superam em muito as tentativas de auto-sabotagem em que o filme parece cair seguidamente.


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