Inacreditável - A Batalha dos Aflitos,
de Beto Souza (Brasil, 2006)
por Cléber Eduardo

Filme de torcedor

Epítome do filme panfletário, em nenhum momento Inacreditável - A Batalha dos Aflitos disfarça sua militância. Muitíssimo pelo contrário. Sua narrativa assume-se como operação mitificadora, mais que documental, de uma partida histórica do Grêmio contra o Naútico, no estádio dos Aflitos, em Recife, novembro de 2005, após a qual o time gaúcho retornou à primeira divisão de maneira heróica: com apenas sete jogadores em campo, e um pênalti defendido antes do inesperado gol da vitória. Estamos em uma auto-celebração triunfalista do gremismo, de gremista e para gremistas, com o objetivo de fazer de cada torcedor uma comunidade compartilhada.

Alguns famosos fanáticos, como Jorge Furtado, Humberto Gessinger e Fernanda Lima, dão  testemunhos ritualizantes: relatam em minúcias o que fizeram no dia da “assunção”. A partida nos Aflitos, segundo essa comunidade futebolística, é equivalente a grandes eventos midiáticos, como as mortes de Tancredo Neves e Ayrton Senna e, mais recentemente, a explosão do Word Trade Center. Onde você estava naquela hora? Nas ruas de Porto Alegre, vazias no momento da partida, como vemos no começo, é que não estavam: a capital gaúcha parou. E as narrações sobre o que cada gremista fazia, na hora e meia da guerra em Recife, são revestidas de material para anedotário e de memórias dramáticas.

A organização do material é razoavelmente simples. Vemos imagens de gols dos jogos do Grêmio na segunda divisão, os depoimentos/lembranças de jogadores, treinador, dirigentes e jornalistas, até nos concentrarmos na partida final nos Aflitos, cuja duração de seu resumo e das entrevistas é ampliada, primeiro adiando o momento climax da disputa, depois repetindo o pênalti defendido e o gol da vitória. Essa estrutura narrativa e a utilização do material é próxima da empregada em Ônibus 174, de José Padilha – também uma reconstituição de um acontecimento midiático, que traça o percurso de seu personagem marcado pelo destino até o momento no qual o destino escancara sua cara.

A diferença, obviamente, é gigantesca. Primeiro porque um campeonato não é a vida de um homem. Segundo porque Ônibus 174 é uma história de morte, ao passo que A Batalha dos Aflitos é uma história de ressurreição. No entanto, o momento do sequestro, manipulado como material de suspense, é equivalente ao jogo nos Aflitos. Nos dois casos, estamos diante de uma imagem que, quando chega à tela dos cinemas, já habita a memória. Sabemos o fim da história, mas somos convidados, nessa relação com a imagem e a informação já conhecidas, revivê-la com uma organização retroativa, com uma narrativa do destino, com a celebração do herói coletivo e de sua predestinação.


editoria@revistacinetica.com.br


« Volta