Amanhã Nunca Mais, de Tadeu Jungle (Brasil, 2011)
por Fabian Cantieri

Cinema de plástico

Walter (Lázaro Ramos) é um anestesista anestesiado pela vida. Dessa frase, que poderia ser o resumo do arco dramático da personagem, engendra-se toda a história criada por Tadeu Jungle e seus colaboradores. O problema não é ser apenas um trocadilho ordinário num roteiro. Afinal, o problema do primeiro mandamento hollywoodiano “crie um conflito para que isso empurre os personagens, cena a cena, até seu final, onde este será resolvido” não está na aparente (e enganosa) limitação do lema. Mas o que se percebe ao se deparar com um anestesista anestesiado é que existe ali um conceito de gente, não uma vontade de criação de uma personagem, que tenha impulsos próprios, que lide com a matéria orgânica daquele novo universo. Tudo se desenvolve previsivelmente por que a história é circundante a um protótipo de gente e não uma conseqüência natural de um ser pulsante. O ser pulsante reage às intempéries à sua frente, não se acomete pronto à mudança (conflito) que terá que fazer.

Pôr em cena, ato criador maior de um diretor, pressupõe uma perspectiva de itinerâncias entre as figuras postas diante da câmera. Não é uma previsão mística, mas um processo de alquimia onde, a partir da tentativa e erro, chega-se a uma combustão. Combustão essa que o filme parece acreditar conseguir chegar através de violentos cortes nas horas de humor (como nos planos-detalhe da coxinha de frango e da velha que chega quando o motoboy é atropelado) ou por efeitos fáceis para denotar passagem de tempo ou emitir pulsões sensíveis (Walter dirigindo sozinho em fast e um jogo de luzes no canto esquerdo de tela). A cena que introduz os créditos, por exemplo, é um diversificado establishing shot no pára-choque do carro - mas, de uma ideia alternativa com potencial interesse, fica seu desgaste pelo tempo: uma grande angular em ruas a la Velozes e Furiosos, entre cortes aleatórios, tem que sustentar o ritmo ensandecido de São Paulo (megalópole frenética – está posta de cara a metáfora) durante os longuíssimos créditos (extensos em relação à agitação da cena). Uma montagem que desde cedo sente a obrigação de passar rapidamente a mensagem antes de tudo e para isso precisa fazer certas concessões.

Concessões são feitas ao longo do filme inteiro. Antes fossem todas para o fim comum do riso - vindo de uma comédia, entender-se-ia. Mas muitos consentimentos são feitos para priorizar uma estética de um terreno comum dos últimos vinte anos. Um exemplo sintomático – depois da apresentação de São Paulo, temos... o trânsito. Agora contextualizando a presença de Walter no cenário, entre uma variação de ângulos, com o carro em ponto morto e só motos passando entre as brechas, às vezes quebrando um retrovisor aqui, outro lá. Entra uma cartela anunciando “uma semana antes”. Uma semana antes de fundamentalmente nada. A forma que vem pela suposta beleza de ser anacrônica, para brincar com a cronologia e poder voltar no tempo, para depois se tornar linear de novo. Não tem como não ficar a impressão de sua subserviência a velhas referências já cansadas (de filmes quebra-cabeças como Pulp Fiction a Amnésia) no lugar de uma coerência interna.

É nessa hora, em que a superfície se revela privilegiada ante a matéria, a coesão se transmuta em “opção estética” (as cores, outro exemplo, sem norte nenhum, desligadas de uma unidade entre ambientes), que se diagnostica o quão recorrente é este cinema de verniz. Verniz que privilegia o brilho intenso, o contraste ou o desfocado antes da concreta solidificação do espaço cênico. Estamos diante do cinema da plasticidade, onde o quadro se emoldura conforme o que o passado recente do cinema diz funcionar.

Outubro de 2011

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