in loco - cobertura dos festivais

Amreeka (idem), de Cherien Dabis (EUA/Canadá, 2009)
por Julio Bezerra

Um drama dos nossos dias

Muna é uma palestina divorciada. Ela trabalha em um banco e vive com o filho adolescente na Cisjordânia. Apesar de seu otimismo, o dia-a-dia no território ocupado não é fácil. Portanto, ao receber o green card americano, a personagem segue para os EUA para se juntar à irmã nos confins de Illinois. Chegando lá, se dá conta de que todo o seu dinheiro foi confiscado na alfândega junto com uma lata de biscoitos. Os EUA estavam invadindo o Iraque e o preconceito contra os árabes estava na ordem do dia. Como não consegue um emprego melhor, ela vai trabalhar na cozinha de uma cadeia de lanchonete.

Pode parecer estranho, mas a sinopse talvez seja a maneira mais clara para se resumir a proposta deste filme de Cherien Dabis, pois Amreeka (prêmio da Fipresci na Quinzena dos Realizadores em Cannes 2009) é um longa absolutamente claro em seus propósitos: usar o modelo de uma ficção realista e político-humanista para aproximar o espectador (fazê-lo entender e ter compaixão) de uma história em pauta nos nossos dias. A cada cena, somos bombardeados com lições sobre racismo, multiculturalismo, as contribuições árabes à cultura ocidental, e o deslocamento perpétuo sentido pelos palestinos. As imagens, por sua vez, são meras ilustrações. A dramaturgia e a mise-en-scène saem da boca dos personagens, sempre muito falantes, entre o inglês e o árabe.

Dabis busca a experiência de seus personagens, mas não a politização dessa experiência. Aos poucos um drama dos nossos dias se transforma em um melodrama alegre sobre amor e afeto em momentos difíceis. Amreeka é acima de tudo uma comédia. O filme nos mostra um punhado de situações complicadas (a ocupação israelense, o preconceito nos EUA, brigas no colégio, desemprego), mas Dabis passa por elas com a funcionalidade de uma narrativa que precisa seguir adiante. E não há nada que não possa ser eventualmente “corrigido” pela incansável Muna (a carismática Nisreen Faour), sempre digna e patética, funcional. O que se vê é um cinema que simplesmente parte de um tema político, submetendo o conteúdo às normas mais convencionais do cinema de arte. O assunto dá muito pano pra manga, mas fica a pergunta: um cinema que tem como ponto de partida uma questão política deveria se comportar de forma diversa de um filme movido simplesmente pelas regras da ficção?

Outubro de 2009

editoria@revistacinetica.com.br


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