Anabazys,
de Paloma Duarte e Joel Pizzini (Brasil, 2007) por
Cléber Eduardo Anabazys
é um transe. Manipulando um rico material de imagens raras
de Glauber Rocha e de seus filmes, sobretudo o derradeiro, Idade da Terra,
Paloma Duarte e Joel Pizzini entregam um encadeamento visceral e alucinante, que,
antes de ser sobre qualquer coisa, é construído como uma incorporação na imagem
do corpo de Glauber. Embora a narrativa seja potencializada pela voz do cineasta,
por suas declarações e pelas ordens vomitadas sobre os atores nas filmagens, é
o corpo do diretor a informação mais impressionante de Anabazys. Glauber
usa o corpo como câmera, como na entrevista com Mascarenhas no Abertura,
e joga-se para dentro do plano, estando diante dela e a comandando, como em momento
de uma seqüência não usada em Idade da Terra. O olho vira corpo, mas não
perde o olho, que comanda outro corpo (o do operador de câmera), comanda com seu
corpo. Glauber é o cinema, a mise-en-scéne no extracampo, dirigindo com
o corpo, quase entrando no quadro, querendo ter o filme e ser o filme, quase pedindo
para ter o corpo usado como superfície de projeção. Fica óbvia agora a mania de
ficar nu, tratada como sintoma de esquisitice em documentário de Silvio Tendler
(Labirinto do Brasil).
Anabazys é um
corpo de imagens: um corpo convulso, um monólogo polifônico, uma experiência de
preservação de vida, imagem e de discurso. Não se trata de um documento histórico,
de reconstituição e pedagogia, mas uma militância política e estética, que reproduz
à sua maneira as operações de choque de Idade da Terra, com sua dissolução
de uma organização de planos tal qual se codificou essa organização em nossa percepção.
Anabazys coloca Glauber entre nós, como se estivesse vivo, berrando em
nossos ouvidos, mas não o usa como messias e condutor de rebanhos, optando por
colocá-lo na condição de nitroglicerina intelectual e artística, praticante de
uma religião estética que tanto pode ser a lava do vulcão quanto a vida gerada
no ventre. Glauber é um ventre, gerador de corpos e vidas. Anabazys é o
significante desse signo, o filme parteiro desse ventre, uma incorporação, no
sentido de colocar o corpo “in” cena, “in” ação, corpos em ação “in” quadro. Anabazys
dá grande espaço a estratégia política do cineasta de conciliação com Geisel e
Golbery, quando percebeu a necessidade de negociar uma abertura política. Não
há nenhuma disposição de tomar partido ou de legitimar suas colocações. Busca-se
a provocação, não as explicações. Nenhum crédito para quem aparece falando ou
para quem fala sem aparecer. O mais importante é metralhadora de imagens, o ritmo,
a musicalidade produtora de percepções absolutamente políticas, sim – mesmo quando
está “apenas” pegando nos corpos de seus atores e incorporando em set o contato
literal entre indivíduos. Novembro de 2007editoria@revistacinetica.com.br
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