Angel
(idem), de François Ozon (Inglaterra/Bélgica/França, 2007)
por Francis Vogner dos Reis Experimento
kitsch
François Ozon é um cineasta irregular
que comete preciosismos enfadonhos típicos de um “cinema artístico”, tais como
Swimming Pool e Oito Mulheres, mas que também pode fazer filmes
francamente mais sinceros, como Amor em Cinco Tempos e O Tempo que Resta.
Mas o que sempre incomodou, até mesmo nos seus filmes bons, é um compromisso diletante
com seus limites, como se não fosse importante, de maneira alguma, ultrapassar
a fronteira que separa os filmes com uma interessante – mas conciliada – beleza
(como os seus) daqueles que, mesmo que torpes, são instigantes porque ousaram
ir além de certo o padrão de qualidade, sejam os da grife “filmes de arte” ou
de filmes abertamente mais comerciais. Em seu novo filme,
Angel, vemos algo diferente, como se o cineasta jogasse a sutileza e a
(falsa) radicalidade plástica controlada para escanteio. Angel é uma garota que
escreve romances comerciais, com heroínas apaixonadas e sentimentos pueris. Ela
tende a ficcionalizar sua vida de maneira a tornar menos sofrido seu cotidiano,
e o faz com tanta convicção que sua vida sonhada se materializa a partir da publicação
e do sucesso de seus livros. Como toda heroína trágica, sua vida a levará para
a beira do abismo. Depois de ganhar muito dinheiro com seus livros, casa-se com
um pintor maldito, que lhe é infiel e se alista para lutar na guerra. Angel desmorona,
e em seus livros passa a ridicularizar a guerra de um ponto de vista estritamente
egoísta: a guerra lhe tirou seu homem e ponto final. A personagem – e o cenário
– muda visualmente de acordo com o seu estado de espírito (ok, até então nada
mais óbvio). A
grande surpresa em tudo isso é ver que Angel transgride tanto a graça equilibrada
(e levemente insípida) de seus filmes anteriores, quanto o suposto comercialismo
que se supõe que esse material tenha, que é o de um romance trágico e adocicado,
de livro vagabundo. Com tudo isso, Ozon faz simplesmente o filme mais estranho
e instigante de sua carreira, algo que não se esperava de um cineasta tão cheio
de “pés atrás” como ele. A cafonice plástica e dramática estão totalmente integradas
em Angel, filme que leva até as últimas conseqüências essa opção de lidar
com um universo em que o exagero se transforma em uma apoteose de imagens. Imagens
estas que se utilizam de todos os elementos possíveis (fotografia, direção de
arte, figurino, interpretação espalhafatosa, trilha sonora) para fazer um estudo
dos artifícios sentimentalistas do drama, ou melhor, de um cinema que vai usar
de todos os seus artifícios para caracterizar o mundo interior de seus personagens. Pensar
o cinema de François Ozon a partir de Angel é revelador. O excesso desse
filme repara as deficiências de seus outros trabalhos que não conseguiam de maneira
convincente fazer com que acreditássemos na conjunção dos personagens (seus corpos,
suas psicologias) com os universos que o cineasta propunha. Em Angel tudo
é tão intenso e falsificado ao mesmo tempo, que Ozon consegue fazer disso um universo
de alguma verdade e coerência. É uma explosão caótica que cria uma nova ordem
na obra de seu diretor. Faltava-lhe isso mesmo: pular de cabeça, abrir mão do
controle seguro de seu estilo, mesmo que venha a fazer de sua fama de cineasta
interessante, uma infâmia. Angel é, ao pé da letra, um filme experimental. Outubro
de 2007 editoria@revistacinetica.com.br
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