in loco - cobertura dos festivais
A Noite do Chupacabras, de Rodrigo Aragão (Brasil, 2011)
por Thiago Brito

Independência

Este é um filme independente”, nos adverte o letreiro inicial de A Noite do Chupacabras. É interessante pensar o quanto existe de terror, horror, em uma frase desta natureza. Afinal, o que é um filme independente brasileiro, dado que a palavra indústria, caso utilizada, deva aparecer seguida de algumas várias aspas? Porque o cinema de terror, horror, brasileiro, é quase que eminentemente um cinema independente. Na atual onda de filmes com zumbis, monstros, e outros tantos clássicos personagens de horror, que pipocam aqui e ali das mãos de novos cineastas, todos possuem este órgão aglutinador: são praticamente todos digitais, de baixíssimo ou nenhum orçamento, realizado em pequenas cidades, com pequeníssimas equipes - e todos sofrem o velho e sempre presente ostracismo do grande público.

Uma produção como essa nos intriga em questionar suas referências, a qual tradição (se alguma) ela se reporta, ou mesmo o que se apresenta como proposta. Seriam todos filhos dos esforços primordiais de José Mojica Martins? Tanto Mangue Negro quanto A Noite do Chupacabras evidenciam uma obra em que a graça recai eminentemente no seu tratamento e relação com a linguagem cinematográfica, pelo menos no que ela possui de tradição, convenção ou mesmo cliché. Tal como a obra de um Sam Raimi, ambos os filmes de Rodrigo Aragão apresentam um certo regozijo na utilização deste tipo de primeiro plano, e outro na criação de uma composição retorcida - em se alterar o ritmo de uma determinada seqüência, usando câmera lenta ou acelerada e, principalmente, em se trabalhar a maquiagem, o efeito especial e toda e qualquer pirotecnia que faz do cinema "o maior brinquedo do mundo". No caso de Raimi, em um filme como Uma Noite Alucinante, o cinema aparece como origem e fim, isto é, a força do filme advém da criatividade e vitalidade com que se filma a partir de uma convenção (dos filmes de terror, horror, trash, etc), de utilizar um signo para lá de desgastado, ou reconhecível, e extrair dele um frescor, uma pujança. Deste modo, pode-se dizer que o filme de Raimi veio chacoalhar o próprio cinema, suas convenções e linguagem, para insuflar vida (ou mesmo buscar onde ela reside) em suas veias. O filme de Rodrigo Aragão parte de uma postura muito próxima da de Raimi (algo que podemos até mesmo reconhecer em filmes de outro cineasta brasileiro, presente em A Noite de Chupacabras como ator, Petter Baiestorf): seus filmes incorporam clichês, signos e situações que tanto nos fazem reportar ao drama interno do filme quanto nos levam a reconhecer seu passado, sua tradição enquanto convenção ou linguagem.

O filme orbita entre as trágicas relações entre duas famílias: os Silvas e os Carvalhos. Os Carvalhos queriam comprar as terras dos Silvas, mas Seu Pedro Silva, o patriarca, não aceitou a proposta do patriarca dos Carvalhos. No entanto, quando ele é encontrado morto (com uma mordida no pescoço) na propriedade dos Silva, uma guerra é declarada e um trato estabelecido: os Silvas doam uma parte considerável de suas terras para os Carvalhos e a “paz” reina. Os atritos entre as famílias são sempre iminentes. Qualquer razão é razão suficiente para matarem-se uns aos outros. Perambulando a narrativa, e alheio aos dramas e raivas das duas famílias, está o Chupacabras, que alimenta-se primeiro dos animais da propriedade e muito em breve se voltará para a família, ou pelo menos a quem sobrar da guerra entre as famílias.

Ao elencar um personagem como o Chupacabras, o projeto de Aragão, pelo menos a principio, expande-se consideravelmente: o Chupacabras não é necessariamente um personagem cinematográfico, mas faz parte de um universo popular, de tabloides:é uma figura quase mitológica que assomou em meados da década de 90 em inúmeras partes do mundo. Assim, A Noite do Chupacabras deve dar corpo e ambiente a um novo protagonista. Então, o que é o Chupacabras? Ao invés de ser o centro da narrativa, o Chupacabras come pelas beiradas. Em vez de instaurar o caos, o monstro se aproveita dele e da violência já previamente instaurados e ataca pelos cantos, dilacera os feridos e se aproveita dos que restaram. Sua figura cinematográfica é menos do grande portento que invade e trucida uma pacata e harmônica vila, e mais da figura de um lobo entre vários lobos: até que ponto o personagem de Baierstorf não é mais violento, sádico e monstruoso que o próprio Chupacabras? Muito mais aterrador que o próprio monstro é a monstruosidade de quase todos os personagens e do próprio ambiente, de uma cidade interiorana inóspita e de homens e mulheres angustiados, frustrados e raivosos.

De certo modo, o filme mal precisa de fato do Chupacabras. Como não assume uma proeminência tão decisiva, ele quase poderia ser qualquer outro monstro. O filme se realiza antes de tudo por sua estética - por ser um filme de horror, por ser um filme trash, por ser gore e ter sangue e grito e palavrão e morte. E tudo da forma mais divertida e entretida possível. O exagero é sua via de salvação. O filme se justifica por sua aura de horror, por aquilo que se apresenta antes dele – que são as convenções, que é a ideia de um monstro, que é a ideia de um interior lodoso e infernal. O Chupacabras é uma figura nebulosa, afastada, de quem o filme pouco trata ou mesmo caracteriza. Parece que a nova onda de filmes de terror está mais enraizada na graça de fazê-los e assisti-los, em ser um filme de zumbi, ou de monstro, em ser independente, ou trash, enfim, em ser alguma coisa que se quer, se gosta. Sua força está nos letreiros iniciais, no se levantar e fazer.

Dezembro de 2011

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