in loco - cobertura dos festivais
Antiviral, de Brandon Cronenberg (Canadá/EUA, 2012)
por Raul Arthuso
It's
a mad mad world
É bastante difícil falar de Antiviral,
estréia de Brandon Cronenberg, sem ao menos resvalar na
obra de seu consagrado pai, David. Dentro de tudo que pode ser
feito no simples gesto de inventar uma história e compôr
uma narrativa para contá-la, Brandon poderia ter feito
qualquer filme. Antiviral, contudo, toca muito de perto
a obra de seu pai (principalmente até Spider),
em certo fascínio pelo grotesco que incide sobre o corpo.
Em oposição, o que em Crash - Estranhos Prazeres,
por exemplo, tende a uma estética da plasticidade da carne
e à mise en scène da mutação
(o corpo humano é ilimitado), é, em Antiviral,
volúpia gore e um golpe de escatologia (o
corpo é o limite).
Evidente que são outros tempos (do pai e do filho): o capitalismo
não é mais uma força antinatural sem ponto
de partida e um fim, mas um vírus sem cura - como alguém
diz no filme em certo momento "um vírus se preocupa
com o sistema em si que o mantém vivo". Nesse sentido,
o mundo de Antiviral está repleto de signos que
flertam com uma ficção científica bem concreta,
cuja definição de tempo se faz fugidia e presente.
Sua metáfora segue um procedimento muito próximo
de Cosmópolis: fazer dela um dado tão palpável
que apaga seu caráter metafórico.
O
mundo asséptico dominado pelo branco - as paredes, os cartazes,
as mesas, os lençóis - é um lugar da transparência
da imagem, da venda de supérfluos parasitas que se escondem
na perfeição das superstars que se dão
a ver pela imagem. É interessante que, neste mundo que
vende um sonho, a imagem não tenha cenários, ambientes
visuais ou sonoros, estilosos. São placas brancas povoadas
por fantasmagorias da mulher-perfeita, o erotismo das imagens
derivando de si próprio, a estética do pack-shot
reduzida à sua essência: o mundo contido na embalagem.
O universo de Antiviral não espelha qualquer mundo
concreto, mas ao mesmo tempo é construído como pura
transparência, pois é o mundo que perdeu sua concretude
e virou um grande outdoor.
Por outro lado, Brandon Cronenberg parte da explicação
de seu mundo-analogia para mergulhar em outro terreno: a conspiração
transnacional das corporações modernas. Antiviral
é um filme de trama, reviravoltas e perigo letal, com signos
da modernidade como demonlover e New Rose Hotel.
É quando ocorre o naufrágio, já que Brandon
Cronenberg mostra uma lacuna de domínio do artesanato para
as construções de clima, para manter o interesse
nas voltas e reviravoltas da conspiração e conseguir
lidar com a necessidade de novidades (idéias, personagens,
subtramas) e suspensão emotiva. Após os primeiros
vinte minutos, mais intrigantes que necessariamente sólidos,
Antiviral cumpre seu ideal de um filme de conspiração
capitalista by the book: guerra de corporações,
espionagem sofisticada e artilharia tecnológica embalada
com trilha musical de beats eletrônicos e câmera
em huis-clos de suspense.
Ao
contrário de o que foi feito de mais interessante nesse
cinema de conspiração contemporâneo (O
Intruso, New Rose Hotel), Antiviral se faz do todo
que abranda as partes e da montagem que refuta a possibilidade
de fuga a um nirvana de tensão, contradições
ou cliffhangers inorgânicos ("um vírus
se preocupa com o sistema em si que o mantém vivo").
Antiviral é um cinema atávico, reprimindo
suas potências e catalisando-as em signos gore,
mas que encontram fim em sua própria existência.
Uma imagem perturbadora explica muito do procedimento do filme:
uma personagem trabalha cultivando células de famosos para
formar carne humana para consumo em restaurantes de luxo. O nojo
da imagem visa alimentar a escatologia, que leva a mais devassidão
por parte do filme. A escatologia de Antiviral é
artifício, na medida em que não leva a fim nenhum,
mas apenas constrói um sistema que se sustenta em um falso
sentido de fim – como o protagonista que, contaminado por
um vírus fatal, cospe muito sangue, sente muita náusea,
cambaleia, permite ao diretor uma série de artifícios
desnorteantes com a câmera e a montagem, mas no fundo nunca
parece chegar perto da morte. Cada explosão de sangue e
desejo perturbador em Antiviral é, então,
só uma fagulha de escrotidão que alimenta a si mesmo,
mantendo-se vivo enquanto objeto alienígena domado e profundamente
desinteressante.
Novembro de 2012
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