Armênia (Le Voyage en Arménie),
de Robert Guédiguian (França, 2005)

por Cléber Eduardo

A serviço do humanismo

Todos os acontecimentos neste último filme de Robert Guédiguian dizem respeito à Armênia, ex-república soviética, às voltas com seu capitalismo muito específico. Mas não é exatamente fazer cinema sobre o funcionamento das estruturas da sociedade a meta de Guédiguian. Ele está mais interessado em construir as mentalidades e sensações de alguns personagens em sua relação com o país como terra de origem, e com a pátria como terra de pertencimento. É clara a disposição de se mostrar o país real e o país poético/mítico, para ao final organizar o material como uma celebração da decisão política de alguns em permanecer e não se deslocar para um contexto supostamente mais favorável ao desenvolvimento individual. Armênia, assim, é a reverência ao senso de comunidade histórica em momento histórico de comunidades transitórias.

Guédiguian é cineasta claramente vinculado a um cinema humanista, cordial com seus personagens, mas atento o suficiente para desnudar suas contradições. Essa marca distintiva está nesse longa, mas em versão esquemática – e frágil nesse esquema. Um senhor com problemas cardíacos volta para sua natal Armênia. A filha, com quem não se dá bem e é também sua médica, vai procurá-lo lá aonde nunca foi, preocupada com sua família. Ao chegar, conhece alguns detalhes do funcionamento do país, faz amizades, envolve-se com problemas alheios, pega em armas e assume responsabilidades, embora insista em dizer que não dá a mínima para esse papo de origem e identidade.

Vê-se algo de Terra Estrangeira, de Walter Salles e Daniela Thomas, e de Exílios, de Tony Gatlif, em parte desse percurso de retomada da gênese pessoal, que serve de pretexto para se olhar para o lugar. Mas é tamanho o interesse de Guédiguian em ter situações reveladoras de contexto para mostrar as dificuldades enfrentas pelos que insistem em permanecer, ou não têm possibilidades para se mudar para a alta Europa, que o cineasta esquece da relação pai/filha motivadora da narrativa. A filha fica de lá para cá, sempre conduzida pelas mãos, sempre vendo pela metade, como estrangeira, para assim aprendermos com ela. Pode ser uma estratégia eficiente para as intenções do cineasta, mas, como construção cinematográfica, parece um expediente muito fácil para se chegar a seu objetivo. Entendemos assim como os compromissos com a mensagem e com a documentação do mundo podem fazer alguns cineastas construírem uma imagem do bem sem construírem bem as suas imagens.

Outubro de 2007

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