A Árvore (The Tree), de Julie Bertucelli
(França/Austrália, 2010)

por Cléber Eduardo

Uma personagem, uma atriz, duas cenas

Não fosse por uma personagem e a atriz que a interpreta (Simone/Morgana Davies), somadas a duas passagens específicas (uma com um morcego na cozinha, outra com sapos no vaso sanitário), A Árvore seria um desperdício total de luz e de energia. Morgana (como Simone) evita esse desperdício de trabalho por concentrar em suas atitudes e em sua presença o pólo de potência cênica necessária para lidarmos com menos distância com os sentimentos e reações da personagem. Morgana na pele de Simone é um imã para nossos olhares e sentimentos. É o exato contrário da mãe, Dawn (Charlote Gainsbourgh), mulher com cara de mocinha, revelada como adolescente suspirante na primeira cena com o marido, depois como uma mulher apática após a morte do companheiro e, adiante, como viúva indiferente após iniciar o processo de continuidade em meio ao luto.

É no luto de Simone, direto, autêntico e poético, metafísico, espiritualista e material, que está o que há de força em A Árvore. Ela cultiva o diálogo com o pai morto em uma figueira gigante diante de sua casa. Conversa com ele sentada nos enormes galhos. Não se trata da mesma relação com a morte de cineastas como Apitchatpong Weerasethakul e Naomi Kawase, pois falta ao filme a mesma crença na extensão da vida e nos mistérios da morte dos dois cineastas asiáticos. Falta-lhe, em uma palavra, magia. Ela está concentrada demais em Simone. Mais que na árvore. É seu ciclo de vivência e entendimento da perda que é coberto pelo filme ao longo de alguns meses. Quando quer mostrar um pouco do sofrimento dos irmãos de Simone ou quando parece empurrado para se centrar no luto de Dawn, A Árvore ignora o primário: o seu núcleo de irradiação dramática. Julie Bertucelli parece ignorar quem é a protagonista de sua história. Ou não conseguiu fazer da protagonista do roteiro também a protagonista do filme. Sendo assim, quase tudo além de Simone, parece desperdício. Não se segue os rumos dos acontecimentos de acordo com uma sensibilidade narrativa, mas segundo uma certa lei de gravidade de roteiro, que, além de determinar o foco mais panorâmico (familiar), precisa colocar no luto um complicador afetivo: o surgimento de um novo parceiro para Dawn.

Mas nem tudo, além de Simone, é bola fora. Em meio a uma burocracia dispersiva, em dúvida se aposta na subjetividade machucada ou na narrativa com certo percurso dramático, temos dois momentos fortes. Por que se destacam? Talvez porque superem a particularidade do contexto e nos coloquem em uma dimensão de uma experiência comum, possível, porém incomum por seu dado de absurdo e de fragilidade humana diante da natureza. Parece correr vida nesses momentos. Neles e em Simone. Essa característica mais pulsante está presente quando Dawn esconde-se sob a mesa da cozinha, com medo de um morcego que abre e fecha asas a poucos centímetros dela, e quando Simone e o irmão caçula encontram sapos no vaso sanitário, sem conseguir acabar com eles por meio da descarga. Nesses momentos, A Árvore até parece outro filme. Parece lidar com as dificuldades visíveis de estar respirando, e não com um mal estar encenado com uma série de protocolos anteriores à personagem.

Janeiro de 2011

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