in loco - cobertura dos festivais
Ballast (idem), de Lance Hammer (EUA,
2008) por
Julio Bezerra A
serviço da paisagem
Como o cenário é capaz de
transpirar um drama? Como uma paisagem imprime na psique dos personagens? Seria
possível um filme registrar algo tão marcado e ao mesmo tempo tão nebuloso? Ballast,
estréia por trás das câmeras do até então diretor de arte Lance Hammer, é uma
pequena e delicada exploração sobre estas perguntas. O cineasta americano pegou
três personagens silenciosos, os recheou de variadas motivações, e fez de Ballast
um filme sobre um determinado espaço, humor e tom. Pode-se mesmo dizer que este
é um longa sobre o inverno úmido do Delta do Mississipi, uma região desolada,
marcada por enormes distâncias entre o que quer que seja, onde a ficção parece
estar ali à serviço da paisagem (e não o contrário). A
história é mínima. Três personagens. Marlee (Tarra Riggs) trabalha duro para garantir
a sobrevivência de James (JimMyron Ross), seu filho de 12 anos. O menino passa
os dias vagando solitário e acaba fazendo amizade com um grupo de jovens traficantes.
Não demora muito, ele se vê em perigo. Mãe e filho fogem então para a casa do
ex-marido/pai, que recentemente cometeu suicídio. Na casa ao lado, o irmão gêmeo
do falecido (Michael J. Smith) tenta se recuperar dessa perda. Os cunhados se
odeiam. Hammer procura maximizar o potencial cinematográfico e imagético de sua
pequena situação dramática e, numa de suas decisões mais acertadas, entrega o
filme aos atores não profissionais, todos incríveis. Estamos
certamente em terreno dardenniano: a câmera na mão, a filmagem no ritmo
da respiração dos personagens, a entrada em cena no meio de uma ação maior que
tem início antes do plano, e, principalmente, um espaço onde o elemento humano
aparece como único horizonte possível de esperança. A forma é o acompanhamento
absoluto destes personagens. Ballast é um filme simplesmente descritivo,
não toma absolutamente partido daquilo que mostra. É preciso dizer, no entanto,
que Hammer não tem a precisão nem a fluidez dos irmãos belgas. Suas opções de
linguagem são na maioria das vezes muito evidentes. A mão do cineasta parece sempre
presente, em um longa cuja delicadeza se mostra quase sempre calculada. A
técnica narrativa de Hammer, em especial na primeira metade do filme, dificulta
criativamente uma compreensão total do drama ali descrito. Assim que os conflitos
se estabelecem, o diálogo se torna mais explícito e o drama talvez mais tradicional.
Mas Hammer continua silenciando alguns momentos dramáticos. A montagem não liga
muito nem mesmo para a continuidade e só nos mostra o que lhe parece imprescindível.
Abundantes, são os longos closes na maioria das vezes que ligam as seqüências
umas nas outras, sempre nos alertando para o fora de quadro. Assim, cada cena
é uma surpresa. Em um momento memorável na pia da cozinha, Smith e Riggs se abraçam,
uma seqüência que culmina numa rejeição, mas traz consigo a possibilidade de mudança.
Ballast aposta nisso. É um filme de esperança. A cena final sugere um pacto
fraterno selado com muita dificuldade, enquanto os corpos pouco a pouco se desarmam.
Outubro de 2008 editoria@revistacinetica.com.br
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