Bellini e o Demônio,
de Marcelo Galvão
(Brasil, 2009)
por Eduardo Valente
Personagem
confuso, filme mais ainda
O que pode fazer
a força de um filme de detetive, com forte inspiração (desde os livros originais)
nas matrizes principalmente americanas do gênero? Uma narrativa instigante seria
uma opção; personagens engajantes (de preferência misteriosos) seria outra; um
clima na construção das cenas, através de espaços que nos habitassem seria ainda
uma outra. Entre todos estes pólos, Bellini e o Demônio derrapa desastradamente
sem conseguir nunca se apoiar em qualquer dos pés, parecendo não ter a menor idéia
do que realmente deseja para além de emular uma linguagem pretensamente moderna
(leia-se os cortes constantes dentro da cena, de enquadramento para enquadramento
sem qualquer critério visual de construção de espaço ou tempo, com uma câmera
que balança ou fecha e abre zooms por falta de algo melhor para fazer).
A
história que o filme urde fica sempre entre o banal (em tudo que diz respeito
a demonismo) e o simplesmente incompreensível. Não que compreensão de trama seja
algo 100% necessário no gênero, como nos sempre lembra o clássico À Beira do
Abismo, de Howard Hawks. Mas aí é preciso que os personagens, e seu jogo entre
eles (e entre eles e o espaço), mantenham nosso interesse, fazendo de cada plano
ou sequência uma atração em si mesma. Mas Bellini e o Demônio não consegue
nunca tornar nenhum dos seus personagens interessante (com a possível exceção
de uma presença bem instigante – e mal aproveitada – de Caroline Abras como uma
espécie de Laura Palmer que dá origem à trama e participa dela depois de morta).
Tudo isso, claro, começa pelo próprio detetive, que surge em cena completamente
perdido (e aqui não falamos da trama, onde isso seria positivo), com nada mais
a fazer do que delirar e procurar as drogas o tempo todo (e, bom, aí é preciso
que se diga que o paralelo mórbido que se cria entre o personagem na tela e a
vida do seu intérprete acaba sendo a única coisa em que o vazio que se constrói
no filme nos permite pensar com mais atenção). Talvez o
uso que o filme faz de uma dinâmica confusa da montagem pudesse ser justificado
pela relação que seu personagem tem com o mundo neste momento de sua vida (algo
bastante explicitado no desfecho). No entanto, isso nunca deixará de ser apenas
um conceito que, na prática (ou seja, nos fade outs para preto ao final
de várias sequências ou o uso das batidas na música como se para criar algum tipo
de reação no espectador que a imagem não consegue por si), é falido, muito mais
que confuso. De fato, convém falar de Bellini e o Demônio no que há de
menor, de pequeno mesmo nos seus equívocos, porque
eles são muito menos da ordem de grandes conceitos e muito mais de cada cena se
sabotando, principalmente pelo uso de uma iluminação e dinâmica de quadro que
não nos dá clima em nenhum momento do filme. Pensamos, por exemplo, no momento
em que Bellini vai à Estação Julio Prestes e a decupagem não consegue criar qualquer
sentido de tensão porque não sabe como esquadrinhar e construir aquele espaço
(tão forte cenicamente), então corta de lá pra cá sem razão, até terminar abruptamente.
Ou quando em determinado momento ele faz sexo com a personagem de Rosane Mulholland
e não sentimos absolutamente nada por isso, já que a chegada àquele momento parece
arbitrária, sem qualquer construção da personagem dela e de sua relação com ele.
Ou ainda as idas e voltas entre Bellini, a personagem de Mulholland e os dois
policiais (e especialmente a existência mesmo destes na trama) como motores da
investigação, que dilui simultaneamente os três focos, e nos deixa flutuando num
vazio completo. A verdade é que, com todas as suas insuficiências,
existia um charme no Bellini e a Esfinge de Roberto Santucci, algo que
vinha justamente da maneira como trazia a idéia de uma elegância inerente ao gênero
para a sujeira de um detetive metropolitano e contemporâneo no Brasil, que dirigia
uma Fiat Uno e se esgueirava por becos sujos e personagens marginalizados. Havia
ali um abraço à aura e ao espírito do cinema B que nos fazia acreditar naquilo
tudo. Já este novo filme parece querer deixar no passado qualquer noção de clima
(que era o forte no anterior), em troca de um dinamismo e uma bizarra limpeza
da imagem (sempre parecendo mais iluminada do que deveria) que, ao fim e ao cabo,
nos deixam sem qualquer idéia do que, afinal, tornaria Bellini e seu universo
algo que deveria nos interessar. Setembro
de 2009 editoria@revistacinetica.com.br
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