Boleiros 2 - Vencedores e Vencidos,
de Ugo Giorgetti
(Brasil, 2005)
por Felipe Bragança
Crônica do
desânimo
Boleiros 2
parece construído para ter a proposital aparência de crônica desanimada,
de pálpebras meio baixas, de nostalgia no sentido mais impotente
do termo - um filme morno, que cultiva o morno. Um filme que já
começa no fim, já começa cansado. Todas as imagens, a encenação
simplista, os tipos desenhados pelos atores, parecem filmados
por olhos moídos, desinteressados, que não narram a vida mas antes
esperam a morte. Para ficarmos no tema do filme, assisti-lo nos
remete àquela sensação de ressaca que se tem ao assistir
a uma mesa redonda de futebol na Record quando seu time perdeu
feio.
Ao contrário de uma obra crítica/reflexiva, o
filme de Giorgetti não tematiza a decadência, não se aproxima
dela por desvios: faz dela sua premissa e paixão essencial – o
que não é por si um defeito, mas que se mostra como fragilidade:
Toda sua narrativa e o pouco esmero de construção espacial-cênica
parece arquitetado em função desse trejeito de ato sem ânimo.
Uma apatia que não deixa, coerentemente, de ser uma premissa estética
consciente e não tanto um “desleixo”, como tem sido comum numa
recente safra de filmes brasileiros baseados em diálogos e truques
narrativos. Ou melhor: é o desleixo como opção, o desinteresse
como premissa do próprio estado do filme e dos personagens.
Entre “vencedores” e “vencidos”, nessa dicotomia
que contrapõe passado e presente, ricos e pobres, Giorgetti mantém
seu projeto de um cinema voltado para os que se sentem desalojados,
que perderam seu lugar, para as figuras sem solo, sem capacidade
de articulação com a vida e com seu tempo – seja econômica, seja
afetivamente. Diferentemente de um cinema vivaz como o de um João
César Monteiro (e seu energicamente decadente João de Deus), essa
desarticulação personagens-espaço não se dá num sentido de potência
da diferença, de teimosia do desvio, mas como fraqueza, desinteresse,
monotonia, incapacidade de se indispor.
Para fugir e criticar o sentido corrente de glamour
em um futebol de estrelas midiáticas, Boleiros 2 acaba
por deixar de lado as possibilidades do encantamento e da alegria.
Seus personagens não são figuras quixotescas em resistência aloprada,
mas Sanchos niilistas, montados em suas cadeiras de bar, sem vida,
murmurando opiniões sem ressonância. Uma ideologia clara que nos
remete às narrativas de uma monarquia decadente e murmurosa (O
Príncipe), encarnada por exemplo, nos comentários mais melancólicos
de José Trajano (ESPN Brasil) ou na cultura do “tempo bom não
volta mais” comum a uma elite cultural brasileira que ainda chora
os anos 60.
Por isso, como condição formal ideológica até,
houvesse mesmo poucas alternativas para o roteiro encontrar narração
e estabelecimento de situações que não essa coletânea irregular,
e sem geometria clara, de causos morais/ilustrativos projetados
apenas para o cultivo e a manutenção exemplificada/reproduzida
de um sentimento de desterro que já nasceu pronto.
Seria possível um filme vivo sobre o desânimo?
Seria possível um cinema vivaz sobre a derrota incontornável?...
Giorgetti não nos responde a pergunta e costura seu filme como
um Invasões Bárbaras sem grife cult, mas com vários
dos tiques apocalípticos e dos vícios de síntese do filme canadense.
Encontrando ecos, certamente, nos olhares desesperançosos de plantão.
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