2em1
Divórcio à americana e à francesa
O Amor em Cinco Tempos (5x2), de François Ozon (França, 2004);
Separados pelo Casamento (The Break-Up), de Peyton Reed (EUA, 2006)
por Eduardo Valente

Por que uma relação termina? Essa, que aparentemente seria a pergunta por trás tanto de O Amor em 5 Tempos (foto ao lado) quanto de Separados pelo Casamento, na verdade é uma camuflagem para uma pergunta talvez muito mais insidiosa e difícil de responder: por que ela começa? Seja no clichê do banho ao pôr-do-sol em que termina o filme de François Ozon (e onde começa a relação do casal retratado, já que o filme se estrutura na ordem inversa), seja na seqüência em imagens caseiras que perpassam os créditos de Separados pelo Casamento, fica claro que o grande imponderável, o grande mistério da vida humana a dois (e que as câmeras de cinema mais têm dificuldades de captar), a grande ilusão a construir é mesmo a do despertar da paixão. E que sua posterior transformação em rotina, em desamor, até o seu gradual final, estes sim são mais filmáveis, mais estruturáveis, mais explicáveis – mais previsíveis, em suma. Curioso é perceber como cada filme, firmemente assentado nas suas estruturas produtivas (cinema de autor europeu, cinema comercial hollywoodiano), encena esta constatação nada agradável.

Estruturado de maneira eminentemente teatral, nos seus cinco atos concisos e fechados, que movem a história (ainda que retroativamente), o filme de Ozon espertamente deixa às claras que o processo em si é previsível – ainda mais cercado e constituído a partir da frieza do discurso religioso e legal, que ele filma com atenção na cena do casamento e na do divórcio. A atenção de Ozon e sua câmera quase sempre fixa, observacional como um espectador no teatro, é o grande trunfo de seu filme: mais do que achar os porquês nos processos, ela parece querer capturar os tempos, eternizar momentos-chave de uma relação – que ao mesmo tempo que explicam tudo, não explicam absolutamente nada, pois banais e encenados.

No meio desta banalidade artificializada (ver o personagem do americano na cena do casamento), porém, surge o inexplicável: a decisão de fugir do nascimento do filho, o quase estupro na separação, a revelação inesperada no jantar. Parecem todos uma luta do humano contra um roteiro escrito, contra a estrutura dos atos – luta inútil no fim (ou começo?), mas ainda assim luta que é a de todos. Se todas as cartas de amor são ridículas, se todas as histórias de amor são iguais, o que resta é desempenhar seu papel, da melhor forma possível. Do constante conflito entre os personagens que parecem tentar fugir do script, mas não conseguem (porque o final já está escrito desde o começo do filme), é que advém a força deste incômodo filme, que nos deixa sempre divididos entre seu claro maneirismo e a sensação da experiência única – um pouco como em nossas próprias relações amorosas.

Separados pelo Casamento também é um filme marcado por uma mistura incômoda de registros. Desde o começo, de fato, há em cena um filme de Jennifer Aniston e um filme de Vince Vaughn, com todas as implicações que os atores e suas personas trazem para os personagens – e parece especialmente irônico que a incompatibilidade dos dois em cena seja tão evidente, uma vez que os atores começaram um romance de fato durante as filmagens. Reed, que havia se saído incrivelmente bem na retomada de um estilo e um gênero em Abaixo o Amor, parece patinar na necessidade de domar o ritmo um tanto alucinado da comédia verbal e politicamente incorreta de Vaughn, com o naturalismo televisivo “boa moça” de Aniston. O resultado é que temos dificuldade em acreditar na história de amor dos dois, e a primeira hora de projeção do filme tem o amargo gosto de uma sitcom com o ritmo absolutamente errado.

Se assistir a esta primeira hora do filme é tão difícil quanto aturar uma relação equivocada, há uma virada bastante interessante quando Reed resolve deixar que a dureza do material com que lida venha à tona se revelando a história da impossibilidade de uma relação (que pode ser lida como paralela à impossibilidade de fazer um filme com Vaughn e Aniston como par romântico). Neste momento, o filme cria um baque bastante forte nos personagens e no espectador, o que implica numa quebra inesperada de registro para um filme que se vende (e parece se construir até então) como a história de um reencontro – e que, por isso, parecia tão errado. Ali, o espectador é forçado a rever todo o filme por um outro espectro: o da ilusão da tentativa de construção de uma relação onde nunca houve nenhuma. Tudo que parecia errado no ritmo do filme se revela errado na relação dos personagens – que, no entanto, tentam, como nós (na vida ou na relação com o filme), se segurar às ilusão de que uma virada feliz virá no final redimir tudo, e nos remeter à alegria naturalmente falsa do filme de Super 8 do começo do filme.

Mas, não é o que acontecerá aqui, pois tanto Separados pelo Casamento quanto O Amor em Cinco Tempos não são filmes de amor, mas sobre ilusões de amor. São filmes sobre a luta de se construir, baseado nas regras de tradição social e em narrativas intrinsecamente herdadas da ficção romântica (seja ela de origem cinematográfica, televisiva, literária ou teatral), o desejo de um final feliz. Final feliz que a cada dia que se conhece melhor o script, menos parece possível – mas que, nem por isso, se torna menos necessário para os personagens tentarem encontrar. São ambos, no fundo, filmes profundamente trágicos sobre o estatuto do amor romântico no século XXI.


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