Brigada
Pára-Quedista, de Evaldo Mocarzel (Brasil, 2007) por
Francis Vogner dos Reis O
impasse entre a idéia e a imagem
Podemos dividir
Brigada Pára-Quedista em três partes: a rotina “litúrgica” da brigada,
o registro video-gráfico de suas ações e a relação deles com as imagens dos filmes
de guerra. Em princípio, existe imersão total na rotina da Brigada de Infantaria
Pára-Quedista, na Vila Militar, em Deodoro, Rio de Janeiro. Mocarzel faz um estudo
da disciplina e dos procedimentos diários da brigada, como a ginástica, o treinamento,
a preparação dos saltos, as expectativas dos soldados, o relato das experiências
de treinamento. O objetivo é claro: o gosto militar pela ordem, tanto da disciplina
diária de um militar, quanto do apreço pela ordem coletiva, transformando ações
coletivas em movimentos de massa com geometria de grupo que exaltam a glorificação
da forma militar, com seus movimentos simétricos coreografados e gritos de ordem
em uníssono. Isso, somado a toda hierarquia de procedimentos diários, faz da primeira
parte de Brigada Pára-Quedista um ótimo ensaio sobre a ambição da impecabilidade
formal da cultura militar. Uma cultura que se reflete, sobretudo, em sua ordem
“estética”. Na segunda parte e na terceira parte do filme,
o declínio vem da abordagem da relação dos militares com a auto-imagem produzida
e reproduzida. A filmagem dos saltos (na segunda parte) ainda possui alguma força,
porque vê-se com contundência o apreço dos soldados em fazer da imagem de seus
saltos a busca por uma imagem ideal e irrepreensível, muito mais do que a intenção
de realizar um vídeo meramente instrutivo. Só que quando Mocarzel busca compreender
mais a fundo a relação desses militares com o imaginário que a ficção criou sobre
o militarismo e a guerra, o filme se esgota. A estratégia típica do diretor em
confrontar seus objetos com uma representação deles parece mais uma artimanha
para que conheçamos os valores secretos que forjam o ideário estético-ideológico
da brigada (e dos militares como um todo). É no mínimo arbitrário:
a relação que o diretor expõe dos militares com filmes como Nascido para Matar,
de Stanley Kubrick; Agonia e Glória, de Samuel Fuller; Platoon,
de Oliver Stone; O Resgate do Soldado Ryan, de Steven Spielberg; Apocalypse
Now, de Francis Ford Coppola; e, paradoxalmente, A Regra do Jogo, de
Jean Renoir, é tendenciosa porque busca revelar o significado de toda ideologia
espetacularizante do exército, e da Brigada Pára-Quedista especificamente, como
uma busca de Mocarzel que tenta legitimar as imagens a partir de suas idéias anteriores
ao filme. É o velho problema do diretor: colocar seus filmes numa camisa de força,
para que obedeçam sua concepção – do tema e de sua própria estética – extra-filme.
Em princípio, isto não é o grande problema, já que um documentário não precisa
obrigatoriamente ser aberto ao imponderável, mas o mecanismo que adota é como
um jogo do qual o diretor tem as regras e as estratégias pra triunfar de antemão. Por
fim, Brigada Pára-Quedista revela que, quando Evaldo Mocarzel abre mão
de fazer de seu documentário um meio para legitimar conceitos dos quais parte,
temos um cineasta capaz de fazer imagens muito fortes, como vimos de maneira admirável
na primeira parte. Mas quando atrela seu filme a um esquema “contundente” de confrontar
seus personagens à sua representação, temos o problema de um diretor que preza
mais a imagem como capacidade de expor e enquadrar as idéias de maneira um tanto
quanto monolítica e fechada. Outubro de 2007
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