Canções
de Amor (Chansons d'Amour), de Christophe Honoré (França,
2007) por Eduardo Valente Canções
de amor em Paris
Não é por acaso que Canções de Amor
começa exatamente onde Em Paris, filme anterior de Christophe Honoré, havia
se encerrado. Nos créditos finais do filme de 2006, Honoré exibia uma série de
planos documentais das ruas parisienses, numa clara intenção de jogar seus personagens
finalmente para as ruas da cidade, que é entendida por ele como um espaço naturalmente
cinematográfico. Não que o cinema de Honoré seja naturalista (de forma alguma),
nem que com este artifício ele queira dizer o mesmo que um Cláudio Assis com as
imagens finais de Amarelo Manga (onde, filmados de frente, personagens
“reais” das ruas de Recife se equivaleriam aos que vimos em cena). No caso de
Honoré parece claro que se trata menos de uma questão de realismo ou de personagens,
mas sim de relação com o espaço da cidade de Paris como musa inspiradora principal
(e não por acaso o título do filme anterior era aquele). Pois, como dizíamos,
Canções de Amor segue o caminho contrário: seus créditos se abrem sobre
imagens documentais de Paris, e é a partir delas que descobriremos a personagem
de Ludivine Sagnier num espaço parisiense por natureza – a fila para um cinema.
No movimento oposto, um mesmo sentido: parte-se de Paris, para chegar ao filme
que, para o cineasta, só faz sentido naquela cidade. Mas
é claro que não se trata apenas de Paris como cidade real: no cinema de Honoré
estamos sempre falando de uma cidade filtrada e mais do que eternizada pelo cinema.
De fato, abundam referências cinematográficas em seu trabalho, mas parece menos
certo tentar enxergá-lo como um herdeiro de alguma coisa (em especial da nouvelle
vague, como muitos apontam), do que simplesmente como alguém hiper-consciente
da força do imaginário cinematográfico entre os franceses (e, em especial, entre
os parisienses). Quando Honoré vai dialogar aqui e ali com cineastas como Jacques
Demy ou François Truffaut, parece bem claro que ele não pretende emular o cinema
deles como um modelo, mas simplesmente assumir que seu olhar para a Paris ficcional
que deseja construir precisa, obrigatoriamente, passar por estas memórias da Paris
cinematográfica que foi construída por estes e tantos outros. E, afinal, como
o nome diz, Canções de Amor é um musical – e nenhum gênero cinematográfico
é mais “metalinguístico” por natureza. Só
que é curioso notar como o cinema de Honoré, que trabalha sempre com um transbordamento
de sentimentos, torna quase natural que este transbordamento se externe através
de canções. E assim a música se espalha por espaços como uma cozinha de família,
um parque quase vazio, mas principalmente, as ruas de Paris. Como as músicas aparecem
sem grandes orquestrações, cantadas pelos próprios atores com naturalidade e incrível
graça, o formato musical encontra uma forma deliciosamente naturalizada no seu
artifício. E isso faz tanto mais sentido quanto quando sabemos que as (belas)
canções são de onde nasceu o filme, já que Honoré escreveu o roteiro a partir
das músicas já existentes de Alex Beaupain. Não se trata portanto do desejo
de se ir construir um musical, mas de achar numa cidade em certas canções
a combinação exata em formato cinematográfico (chega a ser
fácil imaginar Honoré escutando as músicas de Beaupain num
discman ou ipod enquanto andava por Paris, e decidir assim ir fazer um filme). Assim
como já era o caso em Em Paris, Canções de Amor é um filme que começa
parecendo flertar com uma frivolidade de sentimentos e encenação, mas que logo
propõe, numa virada, um enfrentamento com a morte e a perda. Há que se reconhecer
o talento quase brutal de Honoré em conseguir intercalar a filmagem de situações
emocionais pesadas com uma busca quase obsessiva pela felicidade, onde os personagens
não param de se bater uns contra os outros das maneiras mais inesperadas, num
cinema que parece nos dizer o tempo todo que não existe maneira errada de se tentar
“ser feliz”. É aí, aliás, que o cinema de Honoré mais nos lembra o de Pedro
Almodóvar: uma mesma generosidade de olhar, uma mesma paixão pela realidade filtrada
pelo cinema, e uma mesma crença de que, na confusão que é estar vivo em meio a
outros seres humanos, se relacionando com eles (e há que se notar como a família
é um conceito fluido mas central para os dois cineastas), só se pode acertar errando. Outubro
de 2007editoria@revistacinetica.com.br
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