in loco - diários de cannes
La Piel que Habito, de Pedro Almodóvar (Espanha, 2011)
por Pedro Butcher

Em busca da loucura

No cinema altamente referencial de Pedro Almodóvar, o mais legítimo e longevo dos filhos dos anos 80, incorporar gêneros é algo absolutamente natural, que está no sangue de seus projetos e roteiros. Mas é inegável sua afinidade toda especial com o melodrama, que atingiu momentos particularmente inspirados em A Flor do Meu Segredo e Tudo Sobre Minha Mãe (para citar apenas meus preferidos). A última vez que Almodóvar filmou uma história mais próxima do policial foi em 1997, ao adaptar um romance de Ruth Rendell em Carne Trêmula – mas, aqui também, o melodrama acabou tomando conta.

La Piel que Habito é uma tentativa de busca de novos caminhos, ainda que suficientemente lógicos para que se reconheça sua assinatura. Como em Carne Trêmula, Almodóvar tomou como fonte de inspiração um romance policial (Mygale, de Thierry Jonquet), desta vez procurando manter-se mais fiel às regras do thriller e do filme de horror (e logo vamos entender a razão: o horror é uma espécie de irmão gêmeo do melodrama; basta lembrar de Frankenstein ou O homem invisível, as duas referências mais evidentes de La Piel que Habito, para constatar tal fato). Almodóvar encontra duas ou três soluções geniais para modernizar o filme de horror – e a principal delas está na figura do tradicional cientista louco, que aqui ganha a forma de um cirurgião plástico. Robert Ledgard (Antonio Banderas) - um personagem de origem brasileira, por sinal -, é obcecado pela ideia de criar uma pele artificial desde que sua mulher sofreu um acidente de carro.

A trama dará muitas e boas reviravoltas capazes de manter o interesse no filme – mas a impressão final é que La Piel que Habito necessitava de um desapego maior de Almodóvar à precisão dos planos e à composição das imagens que marcam seu cinema desde sua transformação em um “grande autor”, a partir dos anos 90. Almodóvar vem tentando, ainda sem sucesso, reencontrar uma liberdade mais próxima daquela que marcou suas origens, lá no começo dos anos 80, e que foi capaz de gerar pérolas como Matador ou A Lei do Desejo. A cada reviravolta de La Piel que Habito, vemos um enlouquecimento da história que não encontra um equivalente na forma com que Almodóvar filma. O filme urge por um desprendimento que não chega nunca – e o resultado é uma eterna frustração.

Os temas pincelados por La Piel que Habito vão nutrir os críticos com farto material para discussões em torno da “questão da identidade na sociedade contemporânea”; o senso estético de Almodóvar vai garantir algum prazer para os olhos cinéfilos. Mas La Piel que Habito é está demasiado preso a certo bom gosto do “cinema de autor”. Uma camisa de força da qual é difícil se desvincular.

Maio de 2011

editoria@revistacinetica.com.br


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