in loco - diários de cannes
The Artist, de Michel Hazanavicius (França, 2011)
por Pedro Butcher

O som, o digital e o charme do vintage

Como nosso A Festa de Margarette (2003), de Renato Falcão, The Artist se apresenta como um filme da era do cinema mudo, procurando reproduzir as várias características estéticas da época – o formato da tela, a imagem em preto e branco, as cartelas indicando os diálogos essenciais, os gestos exagerados dos atores. A proposta é coerente com o que se quer contar: uma história situada em Hollywood entre 1927 e 1931, justamente quando o cinema atravessava sua primeira grande revolução técnica, a incorporação do som.

Mas, ironia das ironias, The Artist foi exibido em projeção digital, como, aliás, 95% dos filmes da competição. Um detalhe que faz toda a diferença. Mais do que qualquer outro filme, esse, especificamente, deixa transparecer as diferenças entre os meios, pois o que falta a The Artist para que ele de fato se pareça com um filme mudo é um detalhe, uma imperfeição da projeção de uma cópia em película, aquele leve tremor que, em inglês, se chama “flicker”. A exibição digital de um filme é absolutamente estável – e, não por acaso, uma das formas para se reconhecer esse tipo de projeção é observar as margens do quadro, que são absolutamente retas e precisas, bem diferentes da projeção do celuloide (ou do nitrato). Curiosamente, o tremor da projeção em película só aparece em The Artist quando uma projeção é simulada dentro da tela, e vemos os filmes dentro do filme. Um efeito especial como outro qualquer.

Em uma sequencia especialmente marcante, acompanhamos a crise do personagem central, um galã da era muda posto no ostracismo com a chegada dos talkies, em que ele atira um projetor no chão e põe fogo em seus próprios filmes. The Artist, enfim, fala sobre a primeira grande transformação técnica e estética do cinema no momento de outra grande revolução do mesmo porte. Mas a curiosidade fica bastante limitada a esse elemento externo. O filme de Michel Hazanavicius é, em si, bastante limitado, um divertissment com momentos inspirados de humor que explora o charme vintage de elementos cultuados do passado cinéfilo. E só.

Maio de 2011

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