in loco - diários de cannes
Le Havre, de Aki Kaurismaki
(Finlândia/Alemanha/França, 2011)

por Pedro Butcher

Kaurismaki vai à França

Todos os filmes de Aki Kaurismaki podem parecer iguais, mas são os pequenos detalhes trabalhados com cuidado pelo diretor que acabam fazendo toda a diferença. Em Le Havre, Kaurismaki afasta-se da Finlândia e de sua constante Helsinque para filmar a França e a cultura francesa. Surpreendentemente, obtem uma alquimia improvável, capaz de combinar sua câmera impassível, nórdica, ao temperamento latino dos personagens que estão diante dela.

Se Woody Allen, ao filmar na França, não poderia escapar de Paris, Kaurismaki pousa sua câmera em uma paisagem bem diferente: Le Havre, na região da Normandia – não por acaso uma cidade portuária, como Helsinque. Ali habita Marcel Marx (André Wilms), um homem que ganha a vida engraxando sapatos, e sua mulher (Kati Outinen). A trama principal se desenrola a partir do momento em que um segurança do porto encontra, dentro de um container, um grupo de imigrantes clandestinos vindo de algum país da África francófona. O destino final seria Londres, mas um erro burocrático deixou o container por ali. Quase todos são pegos pela polícia e levados a um campo de refugiados, mas uma criança consegue escapar. O menino se abriga com Marcel Marx, que se dividirá entre os esforços para esconder o garoto e encontrar meios para garantir sua chegada a Londres (onde está parte de sua família) e os cuidados com a mulher doente. Quase todos os moradores da região protegem o menino, com exceção de um dedo-duro antipático interpretado muito propriamente por Jean-Pierre Léaud.

Kaurismaki orquestra seu filme com o estilo e a fluidez de sempre, mas o que garante a delícia, aqui, é seu olhar apurado sobre determinados aspectos da cultura francesa, que aparecem em tudo o que está à margem da trama principal. São conversas no fundo da cena e os pequenos momentos que se passam na padaria e no bar que revelam uma paixão crítica sobre a cultura francesa. Ao mesmo tempo, ao abordar o problema da imigração e da complexa relação da França com a África, Kaurismaki é político como, em geral, os próprios cineastas franceses não conseguem ser.

Maio de 2011

editoria@revistacinetica.com.br


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