Canta Maria, de Francisco Ramalho (Brasil, 2006)
por Eduardo Valente

Maria deslocada

Existem dois filmes em constante briga no coração de Canta Maria: de um lado, está um filme voltado para um público popular que, pelo menos no mercado das salas de cinema, comprovadamente já não existe mais (e o resultado de bilheteria do filme deixa isso dolorosamente ainda mais claro) – este é o filme que tenta incorporar a duras penas a trilha sonora de canções de Daniela Mercury ou a abertura em formato “trailer-explicativo”. O outro filme vai tentar buscar no western americano a fonte primeira de referência, procurando através de constantes artifícios “cinematográficos” (onde os seguidos travellings e planos gerais da paisagem grandiosa são os mais presentes) manter sua dignidade de “bom cinema” de artesão – como se procurando um refúgio da acusação recente a um certo cinema comercial brasileiro de excessivamente televisivo.

Se o conflito entre estes dois filmes na tela é inegável, ele também não deixa de ser uma falsa questão, porque o problema do parece ser anterior mesmo a esta questão identitária: na adaptação de um romance sergipano, o que falta mesmo a Ramalho é a capacidade de elevar seu material acima do barômetro do interesse do espectador, o que não se consegue com uma filmagem absolutamente tépida, onde um pretenso “calor” humano-sexual dos personagens nunca passa do plano do conceito ou do clichê (um personagem se descobre sexualmente atraído pela outra ao vê-la se banhando). Não acreditamos por um segundo nas idas e vindas amorosas entre Vanessa Giácomo, Marco Ricca e Edward Boggis, basicamente porque não acreditamos em seus personagens. Todos parecem apenas estar ali pela chance de super-interpretar seus personagens sertanejos (embora Giácomo se saia consideravelmente melhor do que os outros, é preciso admitir) – uma síndrome comum nos rostos televisivos, da qual José Wilker como Lampião e Rodrigo Penna como “maluquinho da cidade” são o testemunho mais incontornável.

E é aí que não adianta a quantidade de travelings ou planos gerais que Ramalho filme: entre a profundidade de papelão dos personagens e seus intérpretes e o ritmo claudicante (para dizer o mínimo) do desenvolvimento da narrativa, Canta Maria nunca nos deixa de parecer mais interessante por tudo o que representa (seja em termos de divórcio com o público de hoje, seja sobre um conceito de cinema que parece irreversivelmente ultrapassado) do que pelo que realmente apresenta na tela.

 


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