Capitão América
(Captain America),
de Joe Johnston (EUA, 2011)
por Thiago Brito
Jogando
pro time
Dentro
da idéia de uma série televisiva, ou pelo menos
da noção televisiva norte-americana, temos em geral
a forma da independência interdependente dos episódios:
embora fechados em si mesmo, isto é, porquanto que subsistam
a partir de elementos dramáticos que os realize quase que
plenamente, os episódios são como núcleos
que tendem a aglutinar-se em direção a uma visão
geral, que é a imagem, o conceito final que instaura a
série. Vertendo-se ao mundo do cinema, vemos a criação
de filmes que tendem a uma incompletude. Isto é,
filmes que devem ser suficientes dentro de seu universo ao mesmo
tempo em que precisam se abrir e se justificar perante um projeto
maior, neste caso o blockbuster Os Vingadores.
Com isso, filmes como Homem de Ferro, Hulk,
Thor e Capitão América precisam
de distinções estilísticas que os pontuem
e diferenciem, mas não podem renegar uma perspectiva geral
de se amalgamarem em algum futuro próximo. Tanto Homem
de Ferro, quanto Thor e Hulk trabalharam
a linha da trajetória do herói, fazendo dos embates
subjetivos e psicológicos de seus protagonistas o motor
de suas narrativas. Capitão América, no
entanto, viu-se obrigado a partir de outra perspectiva: impossibilitados
de adentrarem plenamente o legado original da história
em quadrinhos, por contingências extra-diegéticas
sociais e políticas (digamos que nacionalismo pró-EUA
não está em alta na bolsa de valores), onde o Capitão
Rogers era de fato um completo ufanista norte-americano, uma grande
arma alegórica do "homem comum e frágil"
que transforma a sua vida para a luta contra o nazismo, Joe Johnston
e sua equipe foram obrigados a pautar seu programa a partir de
outros paradigmas.
A
vocação para a guerra, aqui, não passa de
um MacGuffin. É, trocando em miúdos, algo que o
personagem de Rogers pode até se preocupar, mas que jamais
toca de fato o espectador, jamais é elevado a um status
ideológico cabal. Rogers não tem uma trajetória
muito clara; ele é o Capitão América muito
antes de o filme iniciar. Ele é por que ele é, por
que ele precisa ser, por que se não existir o Capitão
América, não há filme, não há
vingadores, não há nada. Sua trajetória é
o que justifica toda empreitada - mas as razões por trás
de sua trajetória são obscuras, nada claras. Ele
quer a guerra porque é pequeno, porque quer provar que
pode ajudar, porque quer se sentir importante; quer matar a o
vilão por que matou seu amigo, porque esse é seu
dever, porque quer servir.
De uma forma ou de outra, todas as justificativas empregadas pelo
filme acabam sendo, a bem da verdade, nada mais do que desculpas,
nunca uma via para se "compreender" Rogers. A perspectiva
psicológica da trajetória do herói, seja
a partir de um trauma, seja a partir de uma epifania completa
que conscientiza o herói do seu verdadeiro lugar no mundo,
são aqui rechaçadas, o que faz de Capitão
América o único filme em toda saga Os Vingadores
que teve que se valer quase que unicamente da sua possibilidade
enquanto espetáculo visual. Rogers é, antes
de tudo, uma imagem, uma representação assumida
e consciente. Ele deve se valer por sua roupa e seu escudo, como
uma figura mitológica dos quadrinhos agora transposto para
sobreviver em película. A relação com
o personagem não se dará a partir das noções
anteriores, de um contato íntimo com seus medos e fraquezas,
mas com seu corpo, seu porte físico, sua força enquanto
imagem. A Rogers, pede-se que tenha charme, carisma, que seja
engraçado, desengonçado, que nos faça querer
segui-lo por suas manias e não pelo drama que possivelmente
esteja sofrendo. Atualmente, a formação do Capitão
América não mais passa pelo crivo ideológico;
ale passa, sobretudo, pelo crivo estético.
Poderia
Joe Johnston pegar seu personagem e retrabalhá-lo a ponto
de subverter todas as perspectivas anteriores e nos apresentar
um novo caminho e uma nova leitura? Tudo vale a pena se a alma
não é pequena. Mas, aqui, infelizmente ela é.
Tratar com a forma caricatural, cartoonesca, de Capitão
Rogers acaba por ser uma saída quase desesperada para o
filme, na realidade uma forma canhestra de não
ter que lidar com tudo aquilo que aquele universo de certa forma
já condiciona. Então, qual o esconderijo para todo
tipo de medo? Com cuidado, vemos que todos os esforços
caem completamente em cima de uma visão de cinema de "qualidade",
onde a imagem deve ser bela, os cenários bem construídos,
a utilização de efeitos especiais à medida.
Se estas afirmações possuem algum dado de verdade,
ela só pode sobreviver em se pensar a imagem como forma
de enfeitiço, de uma fotogenia que resguarda pouca
semelhança à francesa dos anos 20, e sim cada vez
mais próxima de um ideário do "espetáculo
de qualidade", uma grandiloqüência que retém
suas qualidades exatamente em seu suporte técnico, físico.
Não é o espetáculo circense das atrações,
onde a quantidade é sinônimo de qualidade, posto
que é a montanha russa e toda sorte de graça que
traz o prazer e o riso; mas algo próximo da própria
A Feira Futurista do filme, onde o design deve trazer
aos nossos olhos o vislumbre da perfeição, um sentimento
tátil ilusionista, não importando se o carro funcione
ou não.
Não foram poucas as críticas que usaram, inclusive,
o termo clássico para a decupagem de Joe Johnston.
É importante se pensar o conteúdo por trás
de tal afirmação: quando se diz, aqui, classicismo,
recorre-se a uma idéia anacrônica de uma "forma"
clássica. Este conceito de classicismo está muito
próximo de algo que Bazin apontou como o "gênio
do sistema", com suas prescrições e condutas
(códigos e regras, não muito) - algo que faça,
como comentou ainda François Truffaut, com que "todos
os filmes americanos nos pareçam um pouco iguais entre
si". Claro, um artista pode ser clássico no que se
refere às suas referências e objetivos - pensemos
no universo de um Manoel de Oliveira. Mas, se o plano não
se fragmenta como estamos acostumados em filmes de ação
contemporâneos, se a cena se realiza de forma um pouco mais
fluida, até que ponto isto é indicativo de um classicismo
e até que ponto não é uma forma de distinção,
de dar àquele universo uma característica que o
condicione a existir mas que não busca nada além
desta tarefa? Enfim, é de tarefa que estamos falando.
Agosto de 2011
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