cartas
dos leitores Ainda Conceição
e o circuito Leo,
Você escolhe perspectivas
na tua fala, dentro do nosso papo, que me parecem
esquisitas, e vou tentar explicar os motivos – isso sabendo que você curtiu o
filme, torce por ele e tudo mais. Mas, olha, numa boa, cineasta não é divulgador
ou estrategista de mercado. A gente tem o mundo por fazer, beleza, mas há
um problema central no que você disse, que é o que seria o teu conceito de "sucesso".
Você procura resolver a questão com a inclusão da expressão "no circuito
comercial" – e agradeço muito a expectativa de um furor revolucionário nosso
que tomaria por completo o circuito exibidor, mas não é nossa praça.
É
preciso difundir a produção de cinema brasileiro? Bem, se a sociedade aceita que
o Estado banque os filmes, supõe-se que esses filmes devem interessar aos cidadãos.
Mas é de quem faz os filmes que se deve cobrar espaços de exibição e recursos
para lançamentos dos filmes? Bicho, lançamento é verba - entrar em concurso para
ganhar grana pra lançamento, a gente entrou em vários. o Tonacci e o Mocarzel
ganharam um apoio da Petrobras (pouca coisa, mas alguma coisa). Só a Riofilme
nos apoiou e, tirando o dinheiro necessário para fazer as cópias 35mm, não nos
sobrou quase nada.
Agora, se o teu parâmetro de sucesso for medido por
espectadores de pré-estréia, nisso a gente não se saiu tão mal. Tá certo que quase
todos os grandes festivais nos recusaram e perdemos dos tais seis mil do Tonacci
ou dos cinco mil do Mocarzel – mas tivemos 600 pessoas em Tiradentes, mais 600
em cada uma das duas sessões do Odeon (a do FBCU e a do Cachaça), mais uns 200
em Porto Alegre e outros 200 no Cinesesc, além de mais algumas sessões em outras
cidades. E já estão sendo armadas sessões em várias universidades depois que o
filme sair de circuito, o que me dá mais um motivo para acreditar nessa sobrevida.
Só que espectador de pré-estréia elogia o filme, mas não enche barriga. Seria
mais fácil mantê-lo em cartaz se as 1.200 pessoas que viram ele no Odeon tivessem
pago ingresso no circuitão.
Mas, Leo, desculpe se eu for canônico demais
ou fizer comparações abruptas, mas dê uma olhada na lista feita pela Paisà de
melhores filmes brasileiros. Caso a da Paisà pareça parcial demais, procure a
da Contracampo ou a da Folha. Veja a lista de filmes citados. Depois dê uma olhada
na bilheteria de cada um deles. Você citou o Serras da Desordem, do Tonacci,
um filme que você sabe que eu amo – pois dê uma olhada na bilheteria de Bang
Bang, que está nas listas de melhores filmes brasileiros. Bem, talvez eu de
fato esteja fazendo comparações indevidas – ainda mais porque nosso filme ainda
está em circuito, irá para outras cidades e eu acredito que vai ser bastante visto.
Mas veja bem, mesmo que a gente tenha o mundo a refazer, o único modo dos realizadores
fazerem seus filmes serem vistos é fazendo seus filmes serem os melhores possíveis.
Cineasta não é comerciante, e não pode ser cobrado se o sistema comercial não
dá certo – cineasta só pode ser cobrado pelo filme que fez. A gente conseguiu
fazer aquele filme que você viu e, acredite, não foi fácil. E foi confiando no
potencial do filme gerar discussões que a gente seguiu essa estratégia de botar
poucas sessões por dia para ficar mais dias em circuito. Vai pouca gente à sessão?
Ou muita gente? Não vou dizer que não importa – importa muito sim.
Mas,
olha, tem muita gente hoje em dia que não vai ao cinema (na verdade, como você
bem sabe, a imensa maioria da população), e não estava entre nossas ambições mudar
esse cenário – nem me sinto capaz para tanto, sinceramente. Você falou que "é
sabido também que esse acréscimo de público (em especial nos segmentos de TV e
DVD) se dá de maneira proporcional à repercussão do filme em seu lançamento nas
salas de cinema", e por isso que eu citei o Bang Bang. A gente não
pode jogar com a lógica do mercado, bicho, a gente não é do mercado. Entrar no
mercado e ter esse espaço já é um sucesso, e a gente não pode se pautar pelo que
o "mercado" vai dizer que é um sucesso. Cobre-se isso de filmes que
usam milhões das leis de incentivo, mas não de um filme de estreantes feito sem
um tostão e lançado com uns trocados miúdos. A sua própria existência, sendo como
é, já é um sucesso.
De um filme como o nosso não se pode cobrar que mude
sozinho o mercado – você só pode cobrar que a gente tente mudar o cinema e o mundo,
nada mais. E você que viu o filme sabe que nisso sim podemos ser acusados por
um ou outro de ter fracassado, mas não de não ter tentado. O filme já provocou
muitas reações extremadas, algumas muito positivas, já gerou bastante debate e
acho até que botou algumas pulgas atrás de certas orelhas. Esse é o equívoco que
eu vejo no que você fala: não há Cassandra a prever o futuro, Leo, porque o filme
já é um sucesso. Ele ter sido terminado é um sucesso; ele ter sido exibido em
sessões lotadas em Tiradentes, Porto Alegre e no Odeon em pré-estréias é um sucesso;
ele ser exibido por umas tantas semanas nos circuitos comerciais de Rio e São
Paulo, além de outras cidades mais à frente (já foram três semanas), isso já é
um baita sucesso. E ele provocar discussões e vontade nas pessoas de fazer outros
filmes, cara, é pra isso que ele foi feito, e não pra roubar o lugar do Jorge
Furtado. O filme foi feito para continuar a ser visto com o tempo (espero que
consiga). Entrar no circuitão é uma vitória, mas a gente só podia confiar no potencial
do filme, e pela própria natureza do projeto não podíamos abrir mão de nada para
que ele se tornasse mais palatável – a liberdade tem o seu preço...
Tenho
que acreditar que, assim como aconteceu com Limite, com Bang Bang
e com tantos outros, a força de um filme pode fazer com que ele mexa com a cabeça
de muita gente. O importante é tentar fazer os melhores filmes do mundo, porque
é isso que pode mexer pra melhor com esse tal de "mercado" – e também
com um pouco desse mundo em que a gente vive. Não acha não? abração, Daniel editoria@revistacinetica.com.br |