Carta aberta à organização
da Mostra de SP, e respostas
Todos os meses de setembro e outubro, para melhor
cobrir o Festival do Rio e a Mostra de SP, redatores de sites
voltados para a crítica independente de cinema (que atua sem remuneração,
patrocínio ou qualquer concessão) reprogramam suas atividades
profissionais: alguns chegam a sair de férias de seus empregos,
deslocam-se centenas de quilômetros entre Estados e até abrem
mão de trabalhos específicos. A falta de apoios estruturais e
financeiros nunca nos impediu de buscar o rigor em nosso trabalho,
com o único objetivo de obter a legitimação através de nossos
leitores, e dos profissionais dos vários setores da atividade
cinematográfica – que, em nossa otimista suposição, talvez compartilhem
nossa dedicação obsessiva pelo cinema e pela reflexão em torno
dele. Por isso tudo, supomos como um destes parceiros justamente
a Mostra de SP, que sempre se orgulhou de difundir a cultura cinematográfica
e o pensamento crítico, e de ter historicamente posturas em favor
da amplitude do pensamento e contra qualquer tipo de censura à
liberdade intelectual. Ou, como afirma Leon Cakoff à Carta Capital
desta semana, “incentivar a reverberação de idéias e discussões”.
No entanto, em sua seleção de veículos credenciados
para cobrir o evento deste ano, a Mostra de SP concedeu apenas
uma credencial para toda a redação da Cinequanon (que pôs no ar
mais de 100 críticas na sua cobertura de 2005) e simplesmente
excluiu a Cinética, que não cobriu a Mostra no ano passado por
não existir, mas que possui vários editores e redatores bastante
conhecidos da Mostra de anos anteriores em outros veículos (foi
feita uma oferta de 30 convites individuais a serem distribuídos
entre toda a equipe – oferta que a editoria do site gentilmente
recusou, pelo caráter irrisório de “compensação”). A título de
comparação, o Festival do Rio optou por dar quatro credenciais
para a Cinética e a única que foi solicitada pela Cinequanon –
mais fortemente baseada em SP. A Contracampo também teve sua cota
de credenciais reduzida pela metade do ano passado para este,
sendo que recebeu seis credenciais no Rio (contra 2 em SP).
Cabe esclarecer que em todos os grandes festivais
de cinema do mundo, críticos e jornalistas da área são credenciados
para ter acesso aos filmes que compõem a programação dos eventos.
Quando um festival concede credenciais para os críticos, não os
está presenteando, prestando favor ou dando-lhe um jabá, mas contribuindo
para a viabilização de um trabalho que, durante o processo, será
igualmente revertido para o evento. Vê-se filmes com as credenciais
porque se está a trabalho, escrevendo e divulgando o evento.
A Mostra de SP alegou como único argumento para esta decisão o
fato que havia tido um número enorme de pedidos de credenciamento
neste ano. Não duvidamos disso, assim como temos como algo claro
que a Mostra de SP é plenamente livre para escolher quem deve
credenciar para cobrir a sua realização. O que precisa ficar claro
é que toda escolha é mediada por posições políticas, prioridades,
estratégias e objetivos. E são justamente estas que questionamos
aqui nesta carta.
Neste caso, a prioridade da organização claramente privilegia
antes a mídia impressa, deixando a crítica de internet em segundo
(ou terceiro) plano: importam-se quase exclusivamente com os veículos
de papel, de naturezas diversas, inclusive os sem espaço para
a cobertura diária da sua programação, ou sem qualquer tradição
de relação com o cinema – que, no pouco espaço que reservam ao
evento, certamente não dão conta da maior parte da programação
da Mostra, especialmente os filmes que não são “da moda”.
Neste movimento, é preciso dizer ainda que a Mostra não se dá
ao trabalho de diferenciar sites empenhados na reflexão
de outros marcados pela dedicação aos “babados” e bastidores do
cinema. Os espaços de resistência da atitude analítica, talvez
por não darem algum retorno comercial ou de valoração de “espaço
de mídia” desejado, são tratados como coadjuvantes ou como figuração.
Essa decisão demonstra um grande interesse na divulgação e um
interesse pequeno pela reflexão – o que, na prática, faz da Mostra
de SP um negócio de cinema e não um espaço do cinema como expressão
artística, ao contrário de tudo que sempre pregou.
Ao assumir esta posição, o que nos parece essencial
perguntar é: quem são os maiores prejudicados com esta decisão
da Mostra? Seremos nós que, para trabalhar, abrimos a carteira?
Ou serão os leitores apaixonados pelo cinema? Ou não seria a própria
Mostra, que, contradizendo sua retórica e sua história, dá de
ombros para a independência, a reflexão e a formação de público
específico? Muito mais do que nossas dificuldades particulares
de acesso aos filmes, o que deve ser discutido neste momento é
o processo de priorização feito por um evento que foi criado e
fez sua fama por um perfil reflexivo e independente. Acreditamos
que este processo de perda do espaço crítico é, portanto, uma
questão que não interessa só a nós – e só por esta crença dividimos
o problema com o leitor desta carta.
Nós, escorados na independência que sempre tivemos,
no respeito ao leitor e na crença de que nosso trabalho é sim
importante e merece ser prestigiado (nem que seja por nós mesmos)
prosseguiremos cobrindo a Mostra, dentro das nossas possibilidades
(vários redatores optaram por comprar suas credenciais e ingressos,
como qualquer consumidor – embora, na prática, irão ver os filmes
para escrever sobre eles, a trabalho). Esperamos que os leitores
saibam reconhecer os méritos, desculpar as limitações, e cobrar
de quem achar cabível o respeito pela sua inteligência e seu amor
ao cinema.
Para isso mesmo, lembramos aqui os emails oficiais da Mostra (info@mostra.org) e da sua assessoria de imprensa
(imprensa@mostra.org),
para onde devem ser encaminhadas perguntas sobre os critérios
e prioridades do acesso crítico aos filmes.
Atenciosamente
Os editores e redatores da Cinequanon.art
e da Revista Cinética
* * *
Menos de 24 horas depois da divulgação
da nossa carta aberta à Mostra de SP, começamos a
receber cartas de apoio de vários cineastas, produtores e
personalidades do cinema brasileiro em geral. Mais do que uma questão
política, o essencial aqui é o lado humano: a ducha
de água fria que levamos nos nossos ânimos no meio
da batalha que é o exercício desta crítica
(e ainda mais no excesso de trabalho durante os festivais de cinema),
foi recompensada pela confirmação de que mais pessoas
consideram nosso papel de alguma importância. Por conta destas
respostas abaixo, a Mostra resolveu divulgar um
comunicado oficial, ao qual oferecemos também uma resposta.
Seguem as correspondências recebidas:
Caros editores,
Concordo plenamentre com o teor de sua carta. Acho um absurdo fazer
um festival de 400 filmes sem apoiar o trabalho dos críticos. Será
medo da opinião especializada ou apenas pãodurismo?
um abraço
Nelson Pereira dos Santos
* * *
Prezados Senhores,
Nós da Associação Brasileira de Documentaristas e Curtametragistas
– seção Rio de Janeiro, sempre acompanhamos a Mostra Internacional
de Cinema de São Paulo com muito carinho e admiração.
Por seu trabalho constante na promoção de um cinema à margem da
corrente principal - um cinema que seria indisponível para nós
outros, cinéfilos brasileiros, não existisse a Mostra - Leon Cakoff
sempre foi um ídolo nosso.
Por isso não poderia ser maior a nossa tristeza, ao saber que
revistas eletrônicas, de certa forma frutos do trabalho do próprio
Cakoff, tiveram seu acesso a Mostra restringido pela organização.
Ora, revistas como a Contracampo, Cinequanon e mais recentemente,
a Cinética, batalham no mesmo front que a Mostra. Representam
uma renovação bem-vinda de nossa crítica. E assim iluminam os
caminhos para muitos novos amantes do cinema que nascem todos
os dias.
Não faz sentido limitar o acesso desses críticos a Mostra. Vai
contra tudo que foi construído por vocês nesses 30 anos. A nós,
da ABD&C/RJ só cabe fazer este apelo. Que reconsiderem os
critérios de credenciamento e liberem o acesso das revistas a
toda programação da Mostra.
Atenciosamente,
Rodrigo Guéron
Presidente - ABD&C/RJ
* * *
Caros Leon e Eduardo,
Todos sabemos mas não custa afirmar mais uma vez que A Mostra
Internacional de Cinema de São Paulo é de uma importância fundamental
para o nosso Cinema Brasiliero. Importante também é o trabalho
realizado pelas revistas Contracampo, Cinética e Cinequanon que
acompanho de perto. Por isso mesmo, acredito que irão chegar
a um entendimento para que nosso cinema fique cada vez mais
vigoroso, plural e reflexivo.
Grande Abraço,
Marcelo Gomes
* * *
Caro Leon e toda equipe da Mostra de São Paulo,
Na qualidade de cinéfilo e documentarista reconheço e admiro o
trabalho que toda a equipe da Mostra de São Paulo realiza desde
sua primeira edição.
Foram muitas as cinematografias, diretores e filmes que tive acesso
pela primeira vez através da Mostra de São Paulo. A Mostra é um
patrimônio da cidade de São Paulo e de todos os interessados em
ver e fazer um cinema de qualidade, comprometido, criativo e inteligente.
O episódio relacionado às credenciais das Revistas Cinequanon,
Contracampo e Cinética vai na contramão da trajetória da Mostra.
Sugiro que na próxima edição a organização do evento repense os
critérios que a nortearam na decisão de restringir as credenciais
das referidas Revistas e de outras comprometidas com a crítica
independente.
Abraço,
Bebeto Abrantes
* * *
A Mostra de Sampa passou uma rasteira
no tripé que a sustentava: bons filmes, crítica e público. Será
que sem o "pé" da boa crítica, ela se segura?
Todo apoio à Cinética e à Contracampo.
Abraços cinéfilos,
Vinícius Reis – diretor e roteirista de cinema e TV
* * *
Amigos,
Podem contar com meu apoio total. Tenho acompanhado a Mostra de
São Paulo e escolhido os filmes através da Contrampo nos últimos
anos. Acompanhei o Festival do Rio, este ano, lendo a Cinética
e a Contracampo e a troca de idéias foi melhor ainda. O trabalho
de vcs é fundamental para mim, como cineasta, espectadora e crítica.
Que falta de noção dos produtores dessas mostras ... Como eles
estão distante do seu público.
Um abraço,
Rossana Foglia
* * *
Prezados editores,
Venho cerrar fileira com vocês, cuja crítica independente e inteligente
é de importância fundamental pra que nosso cinema não sucumba
aos ditames de uma mídia e de um sistema cada vez mais ferozmente
lacaio de modelos espúrios.
Admira que a Mostra de sampa, que sempre teve um referencial de
qualidade e independência, não se esteja mostrando sensível
ao mais que justo pleito de vocês, que representam o que há de
melhor na manutenção de uma resistência absolutamente necessária
e saneadora ao nosso cinema.
Quero ratificar minha solidariedade, contando que, por pouco que
represente, juntando-se à de muitos outros, cineastas
e afins da atividade, esta atitude possa servir de alerta à organização
da Mostra, de modo a que não se negligencie um trabalho tão relevante
como o de vocês, para favorecer o tal "entretenimento e da
banalização midiática" lacaios do modelo espúrio já referido.
Viva sempre o cinema! E que prevaleça o bom senso.
Um forte abraço a todos.
Saudações cinéfilas,
Edgard Navarro - cineasta
* * *
Aos organizadores da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo,
O Congresso Brasileiro de Cinema, representando 54 entidades do
setor, vem por meio desta apoiar a manifestação dos editores e
redatores da Cinequanon.art e da Revista Cinética quanto às limitações
ao número de credenciais para profissionais vinculados a estes
veículos realizarem a cobertura da Mostra Internacional de Cinema
de São Paulo. Acreditamos que essa restrição reduz o espaço
de reflexão sobre a realização cinematográfica, já tão limitado
em nosso país, prejudicando não apenas a cobertura do evento (com
danos para a própria imagem da Mostra, reconhecidamente um
dos mais importantes espaços de divulgação e reflexão cultural
em todo o Brasil, e para seu público), mas também o próprio cinema
brasileiro como um todo. Certos de contar com a vossa compreensão
sobre o fato, despedimo-nos com os mais altos votos de estima.
Atenciosamente,
Paulo Boccato
Presidente do Congresso Brasileiro de Cinema
* * *
Caros editores,
acho muito estranha essa limitação imposta pela Mostra ao trabalho
crítico de vocês da Cinética e do Cinequanon. Vai contra a lógica
de marketing do evento e fere o princípio da liberdade de imprensa,
pois nunca vi um evento fechar as portas para um trabalho crítico
que diz respeito, em última instância, à divulgação.
Se fosse um ato privado, uma exibição de cabine de um filme para
convidados, tudo bem, mas não é bem assim. No mínimo é uma falta
de delicadeza que poderia ser facilmente contornado.
Um grande abraço do Capô
(Maurice Capovilla)
***
Caros colegas da Mostra de São Paulo,
É com enorme indignação que recebo a notícia da
redução no credenciamento da jovem crítica no evento deste ano.
Este conjunto de pesquisadores e pensadores do cinema, agrupados
em sites como Contracampo, Cinequanon, Revista Cinética e outros,
representa hoje o que há de melhor na análise cinematográfica
contemporânea: independência, profundidade e espírito investigativo,
três qualidades que faltam enormemente, e de maneira infeliz,
aos críticos que não escrevem em veículos livres.
Um veículo pode ser chamado de independente quando seus artigos
não se pautam pelo monópolio de 2 ou 3 assessores de imprensa,
que sabemos dominar TODO o fluxo de informação da cidade; quando
os seus articulistas possuem liberdade para escrever o que bem
entender, sem ao menos especular a possibilidade de trocar esta
liberdade pelo prazer muito bem pago de, vez ou outra, "receber
um convite" para viajar às Bahamas ou algum outro paraíso
urbano ou natural para "cobrir" o elenco do próximo
blockbuster (a soldo das majors, bem sabemos); quando
consegue detectar personagens e movimentos que são invisíveis
para a grande mídia, pois esta resolve suas matérias no mais das
vezes apenas com um computador, um telefone e um DVD, quando sabemos
que crítica cultural séria tem que, além de freqüentar as salas,
galerias e teatros, sair para a rua.
Quantos grupos de teatro atuam em São Paulo e quantos aparecem
na grande mídia? Quantos cineastas? Músicos? Artistas plásticos?
Não serão senão os mesmos, sempre? Qual a contribuição que este
tipo de "crítica" pode nos dar? Enfim, se soubéssemos
como as salsichas, as leis e as críticas de jornal fossem feitas...
Diante disso, da incrível diferença entre o que podemos esperar
de um e outro espectro crítico, é lamentável que a Mostra este
ano tenha privilegiado a porção mais superficial, inconsistente
e, sobretudo, ultrapassada da chamada imprensa cultural. De um
evento que privilegia o cinema independente esperamos a coragem
do novo, e é assim que mantenho a fé de poder ler sobre a Mostra,
como faço todos os anos, num veículo livre de vícios, preconceito
e preguiça e pleno de liberdade, investigação e questionamento.
Desejo sabedoria e longa vida à Mostra Internacional de São Paulo!
saudações críticas
André Francioli
cineasta e cinéfilo
* * *
Caros organizadores,
Na qualidade de cineasta e assiduo frequentador da Mostra, venho
por meio desta manifestar meu apoio aos esforços das revistas
eletrônicas Contracampo, Cinética e Cinequanon para cobrirem o
evento.
Nos tempos em que as criticas das midias impressas tornam-se cada
vez mais ligeiras, cabe a internet e, em especial a estas três
revistas, a tarefa de desenvolver um trabalho mais reflexivo e
elaborado, que parece-me em consonância com o perfil da mostra.
Cordialmente,
Philippe Barcinski
* * *
Meus caros amigos,
Concordo plenamente com o que vocês colocam na sua carta. Basta
acompanhar o tipo de mídia que tem sido vista cobrindo a Mostra
para perceber que os lados "celebridades" e auê estão
contando muito mais que a reflexão sobre os filmes. Vou mandar
um e-mail à organização me colocando solidário a vocês. Infelizmente,
como vocês mesmos colocam, talvez não tenha grandes efeitos práticos.
Só torço para que isso não cause transtornos na sequencia do ótimo
trabalho que vocês estão desenvolvendo.
Um abraço,
Claudio Yosida (roteirista e cineasta)
editoria@revistacinetica.com.br
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