Casa da Mãe Joana, de Hugo
Carvana (Brasil, 2008) por Eduardo Valente
Carvana
em casa Há cinco anos, quando do lançamento de Apolônio
Brasil – O Campeão da Alegria, último filme de Hugo Carvana antes deste Casa
da Mãe Joana eu terminava meu
texto sobre o filme, ainda na Contracampo, elencando uma série de defeitos
facilmente notáveis no trabalho – no entanto, o fazia ao final de uma quantidade
enorme de qualidades ressaltadas e um tanto únicas do cinema de Carvana dentro
do cinema brasileiro. Não é por acaso que, cinco anos depois, podemos seguir o
caminho inverso e tirar logo da frente o fato de que muito pode ser criticado
neste seu filme novo, se assim se desejar. Na maioria das vezes não serão coisas
novas, pois se Carvana é um cineasta com um universo tão facilmente reconhecível,
o mesmo vale para suas limitações como diretor, que continuam as mesmas: toda
vez que ele precisa solucionar pela mise-en-scène cenas que estão ali tão
somente para fazer o filme andar, ele se mostra um encenador bem pouco aplicado
(o exemplo mais claro aqui é a cena no hotel na Jamaica); em momentos de algumas
tramas ele claramente perde a mão no ritmo interno (mais notadamente na que envolve
Juliana Paes e Antonio Pedro, que gira em falso durante um bom tempo); alguns
atores certamente rendem bem menos do que outros (como José Wilker, que faz uma
comédia monótona). No entanto, o que sempre fez a graça (e aqui não falamos apenas
de risadas) também continua ali em plena forma, e me parece muito mais raro e
notável do que as limitações. O filme abre com um plano sintomático:
vinda do oceano, uma câmera sobrevoa o mar até chegar ao litoral carioca, onde
um castelo de animação parece rasgar a paisagem litorânea da cidade. De saída,
Carvana afirma que a “Casa da Mãe Joana” do seu título é um lugar de conto de
fadas para ele. No entanto, o conto de fadas à la Carvana não tem nada de lugar-comum
(e muito menos de politicamente correto): ele inclui muita bebida, algumas drogas,
sexo sempre que possível (já que os personagens principais vão dobrando a terceira
idade), camaradagem o tempo todo, mas acima de tudo: nenhuma vontade de trabalhar.
A grande motivação dos personagens de Carvana, que começam o filme passando um
trambique, não é enriquecer nem viver de luxo: é simplesmente não fazer nada,
curtir as coisas boas dessa vida (que são, como já dissemos, estas acima citadas).
Não é por acaso então que seu filme (e seu cinema, não custa lembrar que é dele,
por exemplo, o clássico Vai Trabalhar, Vagabundo) soe quase subversivo
em plenos anos 2000 da eficiência e da especialização profissional. A grande especialidade
de seus protagonistas é não fazer absolutamente nada. Daí
vem o verdadeiro entrecho cômico do filme, então: uma vez ameaçados de perder
este castelo de contos de fadas (que, não por acaso, internamente funciona quase
como um cenário teatral, onde se encenam situações reminiscentes da velha chanchada,
com especial graça da parte de um Paulo Betti inspirado e sem medo do ridículo
e de uma Laura Cardoso absolutamente ensandecida), os amigos precisam trabalhar
para pagar as dívidas e poder ficar no lugar. Eles estão dispostos ao sacrifício,
mas logo fica bem claro que nem tanto assim e que, mais cedo ou mais tarde, o
plano vai por água abaixo. O filme será então, uma longa contagem regressiva para
o final da vida naquele espaço de sonho – no que somos obrigados a lembrar, entre
outros, do Bar Esperança (do filme do mesmo título) e do Golden Night (de Apolônio
Brasil). São três comédias com um tempero amargo pelo iminente fim de um “sonho”,
mas que nunca são filmadas como despedidas, mas sim como celebrações de se viver
tudo até o último minuto. Carvana não faz filmes contra, mas sim a favor. Talvez
por isso seja sintomático que Casa da Mãe Joana se passe na Copacabana
dos dias de hoje (todos sabem que o filme é inspirado por uma vivência real de
Carvana quando dividiu apartamento na juventude, no Leblon). A Carvana não interessa
afirmar a nostalgia pela nostalgia, a encenar aqueles “bons tempos do passado”,
como uma utopia inatingível a qual não se pode retornar: ele “suja” esta utopia
com as tintas do presente e do bairro mais decadente da Zona Sul litorânea carioca
atual, e assim acaba afirmando que ela ainda vale para hoje. É, por isso mesmo,
um completo estranho ao (raquítico, diga-se - em números, inclusive) cenário da
comédia cinematográfica atual no Brasil, quase toda ela entregue aos subprodutos
globais. Não por acaso Se Eu Fosse Você (curiosamente, um filme dirigido
por Daniel Filho, um dos que dividiu o tal apartamento real com Carvana) vai se
passar na Barra da Tijuca; Sexo Amor e Traição vai se passar na Lagoa (mas,
na realidade, em lugar nenhum); A Grande Família vai se passar... bem,
no Projac. A comédia brasileira recente é conservadora, conformista, consumista...
babaca, em suma. Tudo que o cinema de Hugo Carvana jamais será – e é por isso
que um filme dele continua sendo uma delícia e uma raridade, independente de seus
defeitos. Setembro de 2008 editoria@revistacinetica.com.br
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