ensaios
Por um cinema pós-industrial
Notas para um debate
por Cezar Migliorin
Os últimos anos têm nos deixado
claro que há algo importante acontecendo nesse cinema brasileiro
que não esconde mais o rótulo da cerveja nas cenas
de bar. Em festivais, as salas estão lotadas, debates longos
com centenas de participantes, e há muitos e muitos filmes
que circulam no Brasil (e no mundo) em festivais, mostras, dvds,
cineclubes, camelôs, internet - e muito raramente em shoppings.
Ao mesmo tempo, quando o debate sobre fomento e distribuição
aparece, a questão gira em torno de como implementar uma
indústria, como fazer a passagem desse cinema apara o "verdadeiro"
profissionalismo.
Por vezes, cineastas mais experientes dizem apenas: "Vocês
podem fazer esses filmes colaborativos e à margem da indústria
agora, mas logo terão que entrar no sistema." Em Tiradentes,
este ano, Cacá Diegues dizia: "A economia no cinema
é muito frágil, de repente tudo pode acabar."
Algo parece estranho nesses dois momentos. Por uma lado esse cinema
existe, se renova ano a ano, circula, conta com centenas de técnicos,
público, tem boas críticas e reconhecimento em festivais
nacionais e internacionais. Por outro, há um discurso que
atravessa o debate, para o qual isso é insuficiente: eles
precisam da indústria. Para entender essa esquizofrenia
que diz que o que existe deve deixar de ser como é
para existir, é preciso algumas palavras sobre o capitalismo,
sobre o que foi a indústria no século XX e o que
significa falar em indústria hoje.
A era industrial
No final do século XX inicia-se uma mudança decisiva no capitalismo. A indústria, que há dois séculos dominava a geração de valor, deixa de ter o lugar hegemônico.
Lembremos
de maneira rápida: a indústria trabalha dentro de
paradigmas claros para que transformação da matéria
em produto funcione de forma ideal. É necessário
colocar os sujeitos em uma linha de montagem em que suas capacidades
subjetivas e criativas sejam deixadas de lado - o que não
significa dizer que na indústria não haja criatividade
(como em Tempos Modernos, de Charles Chaplin - foto).
É preciso que, no limite, entre projeto e produto não
haja alteração e que tudo funcione em absoluta previsibilidade.
Para a indústria, é necessária uma política
de escassez, em que as cópias são reguladas; um
novo produto significa mais matéria-prima e tempo de linha
de montagem em operação; logo, custo.
Dentro da lógica industrial, a organização
dos sujeitos em classe estava dada por uma posição
econômica, claro, mas também simbólica,
ou seja: que lugar o sujeito tem na ordem estética, que
lugar ele tem na indústria? Em outros termos: que direito
e que possibilidades de experiências sensíveis e
subjetivas o sujeito tem nesse processo de transformação
da matéria-prima em bens industriais, em produtos? Assim,
na indústria há dois lugares claros a serem ocupados:
aqueles que são proprietários dos meios de produção
e aqueles que operam sem os meios - os trabalhadores. Enquanto,
na ponta da cadeia produtiva, o dono do capital opera mimetizando
o próprio capital - desgarrado, em fluxo, sem lugar definido
- o trabalhador vive no espaço fechado, no salário
definido, no gesto repetitivo, no cartão de ponto. Não
é só a falta de dinheiro que o afasta do capital,
mas todo o campo simbólico. Assim, mais do que um sistema
de produção, a indústria é um regime
discursivo e estético que opera no sensível, no
dizível e no visível.
Resumindo: na era industrial o trabalhador não opera criativamente, está distante dos meios de produção e deve ser colocado em uma linha marcada pela previsibilidade do processo. Os meios de produção são marcados pela escassez e as classes são organizadas pelas possibilidades econômicas e sensíveis.
A era pós-indústrial
O que acontece na atual fase do capitalismo é
um deslocamento do lugar do valor com fortes implicações
nas relações que os poderes estabelecerão
com os vivos, com a natureza da mercadoria, com a divisão
de classes e com os meios de produção. No capitalismo
pós-industrial (imaterial, cognitivo) não é
mais no produto/matéria que se encontra o centro do valor,
mas no conhecimento, na forma de se organizar e modular uma inteligência
coletiva. Para se produzir valor não se
depende apenas da força de trabalho física dos indivíduos,
mas da força de invenção (Lazzarato)
das vidas. Ou como escreveu o Yann Moulier Boutang "o centro
de gravidade da acumulação capitalista mudou"
e a centralidade do valor é imaterial.
Nike, Facebook, Google, franquias comerciais; são exemplos
desse novo capitalismo em que o problema é achar meios
de gerir e funcionalizar aquilo que escapa, o conhecimento, as
potências de vida e criação. Mais do que criar
objetos, é preciso criar mundos que esses objetos habitem. O
problema do capitalismo passa a ser, então, não
mais como organizar a massa em uma linha previsível, mas
como capitalizar a produção gratuita e infinita
das vidas mesmo; a inteligência e a criatividade da população
que, quanto mais conectada, mais matéria-prima imaterial
e gratuita produz. Nesse caso, é preciso liberar para produzir
valor. Desregrar para adiante regular. Na indústria, os
sujeitos são organizados no tempo e no espaço para
trabalharem no roteiro da linha de montagem; na era pós-industrial,
trata-se de gerir o descontrole (Agamben).
Neste estágio do capitalismo, as formas de vida e as produções
subjetivas ganharam um papel absolutamente diverso. André
Gorz, em seu livro L'immateriel (2003), explica essa
mudança de vetor da seguinte maneira: "Tornando-se
a base de uma produção de valor fundada na inovação,
a comunicação e a improvisação contínua,
o trabalho imaterial tende finalmente a se confundir com um trabalho
de produção de si" (GORZ, 2003, p. 20). Trabalho
e invenção de si tornam-se um mesmo gesto a ser
disputado pelos mais diversos poderes. Demandados em suas forças
de invenção, os sujeitos não podem estar
mais presos a uma linha de montagem em que suas potências
criativas são deixadas de lado, nem podem estar presos
à previsibilidade e à passagem ideal do projeto
ao produto. O valor na pós-indústria passa assim
a se fazer na administração do excesso da criação,
que é social.
O Facebook é um ótimo exemplo. Quanto mais acesso,
quanto mais fluxo de pessoas, mais valor se produz. Mais outdoors
podem ser colocados, mais dados podem ser negociados, mais a rede
pode valer na bolsa. Na indústria, o valor está
no produto - se um possui, o outro não. O valor está
na restrição ao acesso. Na era pós-industrial,
o valor se multiplica por compartilhamento; quanto mais circulação,
quanto mais pessoas envolvidas e invenção, mais
conhecimento e mais valor.
O cinema pós-industrial
Se no mundo contemporâneo o valor e os
sujeitos não têm mais a indústria como paradigma,
tal passagem, ou sobreposição, de uma forma de criação
de valor a outra faz com que o cinema contemporâneo estabeleça
fortes diálogos com essa configuração - que
nem é tão nova assim, mas que não deixa de
nos surpreender em seus desdobramentos, exigindo ainda que os
agentes sociais recoloquem os problemas de fomento, produção
e distribuição sob novas composições.
A manutenção e exclusividade do modelo industrial
no campo do cinema, mesmo que apenas no nível retórico,
é fundamental para excluir dos debates (e das políticas
públicas) uma massa de produtores, espectadores e criadores
que operam em um sistema pós-industrial. O trabalho que
se confunde com a vida pode ser estimulado em sua força
dissensual e democratizante ou apenas ser parasitado. É
certo que aqui não se trata de dizer que uma era é
melhor que outra, estamos, nos dois casos, no interior do capitalismo.
Entretanto, se não atentarmos para a singularidade do contemporâneo,
não saberemos escolher as armas e as estratégias
para que as possibilidades de criação e circulação
do cinema tenham a força e a diversidade que queremos.
1 - Abundância X Escassez
Ouvimos hoje, quase como um mantra, uma forte
defesa da noção de indústrias culturais e
indústrias criativas. Tais perspectivas mantêm a
ordem estética e política da indústria e
do produto. Uma organização excludente e proprietária.
Nosso desafio é pensar em uma outra natureza da mercadoria
em um contexto pós-industrial. O cinema industrial era
pautado pela escassez, o pós-industrial pela abundância.
O que temos visto em todo o país é uma produção
que vem fazendo uso de uma capacidade material instalada em que
a escassez não pauta mais as relações de
produção.
Assim,
a declaração de Cacá Diegues (foto cedida
pela Universo Produção) na última Mostra
de Tiradentes, de que "a economia no cinema é muito
frágil e de repente tudo pode acabar" faz pleno sentido
na era industrial, mas não é uma verdade hoje. Na
indústria, poucos detêm os meios, muitos se despem
de suas potências criativas e a massa consome. O que acontece
hoje é que essa multidão que é consumidora
e produtora, dispersa e incontrolável, não pode
e não deve ter a indústria como norte. Ou seja,
o que ela produz e consome ganha valor na circulação
e no acesso abundante em um ambiente em que os meios técnicos,
criativos e de acesso estão disponíveis. Sem uma
política de estado, ela pode diminuir, mas não é
destrutível, como o cinema foi um dia. Sem uma política
de estado, alguns serão levados à indústria
e funcionalizados, como se uma outra presença social do
cinema não fosse possível.
Em termos de produção, o que é novo é
a relação do cinema com o capitalismo. É
essa nova relação que estamos aqui pensando. Quando
a discussão passa a ser pautada pela indústria isso
traz uma estética que despreza a infinidade produtiva contemporânea
e que deseja novamente organizar uma cadeia hierarquizada, do
set aos meios de distribuição.
2 - A distribuição
Nesse novo cenário de abundância
de meios, a distribuição digital e acentrada ganha
protagonismo, haja visto a importância que os festivais,
cineclubes e mostras tem hoje. A abundância está
ainda na facilidade das trocas de arquivos e cópias. Os
festivais de cinema e os cineclubes hoje têm grande dificuldade
em oficializar o número de espectadores dos filmes, assim,
a carreira de um filme que foi visto em 500 cineclubes e 50 festivais,
centenas de Pontos de Cultura, salas de aula e baixado 10 mil
vezes é igual a zero. Nada melhor para aqueles que pregam
que as verbas públicas devem ir apenas para os filmes em
sala, frequentemente com menos público que aqueles que
passam ao largo das salas de shopping.
Não há como escapar a uma certa obviedade: a participação
do estado na produção de cinema é historicamente
deficitária em termos financeiros. Se assumirmos que o
papel não passa pela tentativa de enquadrarmos certos projetos
a uma expectativa de retorno econômico, mas cumprindo seu
papel social e simbólico como princípio e o lucro
como um a mais, seria possível inverter o jogo. Ou seja,
fazer com que uma parte da produção tivesse os espaços
alternativos, como os acima citados, como foco, e as salas de
cinema como um eventual desdobramento dessa política de
distribuição. Essa proposta não retira a
necessidade de os agentes públicos e privados estarem na
briga pelos espaços institucionais e pelo mercado formal,
certamente fundamentais. Entretanto, o foco na carreira comercial
dos filmes tem desconsiderado as novas formas de acesso, como
se elas fossem, simplesmente, periféricas, residuais. Não
são; elas constituem hoje a produção e a
transformam por dentro. Na era industrial se perguntava com quantas
cópias um filme foi lançado. Hoje essa pergunta
serve apenas para uma parcela mínima da produção,
aquela que, justamente, faz todo esforço para restringir
o número de cópias.
3 - A estética das equipes
O cinema industrial é pautado pela lógica da linha
de montagem. Fotógrafo fotografa, diretor dirige, e assim
por diante. O cinema pós-industrial se constitui com uma
outra estética do set e das produtoras. Grupos e coletivos
substituem as produtoras hierarquizadas, com pouca ou nenhuma
separação entre os que pensam e os que executam.O
que temos visto nos filmes reflete novas organizações
de trabalho já distantes do modelo industrial. Filmes realizados
por 4 diretores, como é o caso dos dois últimos
longas realizados por Guto Parente, Pedro Diógenes, Ricardo
e Luiz Pretti (Estrada Para Ythaca e Os Monstros,
na foto ao lado). Filmes realizados com um diretor e mais 3 diretores
na equipe técnica, como é o caso de O céu
sobre os Ombros, de Sérgio Borges ou de Os Residentes,
de Tiago Mata Machado. Ou ainda, Desassossego - Filme das
Maravilhas, coordenado por Felipe Bragança e Marina
Meliande, e dirigido por 14 pessoas de diversas partes do país,
uma experiência de produção colaborativa.
O mesmo acontece com as produtoras que organizam seminários
para discutir cinema, estética e política, fazendo
a pesquisa e a realização caminharem juntas. Em
diversas partes do país existem coletivos que estão
constantemente inventando formas de desierarquizar a produção,
seja pelo embaralhamento das equipes, seja na relação
mesmo que estabelecem com atores e personagens, em filmes como
Os monstros (Guto Parente, Pedro Diógenes, Ricardo
e Luiz Pretti), O céu sobre os Ombros (Sérgio
Borges), Os Residentes (Tiago Mata Machado),
Avenida Brasilia Formosa (Gabriel Mascaro), Morro
do Céu (Gustavo Spolidoro), Pacific (Marcelo
Pedroso), Estrada Para Ythaca (Guto Parente, Pedro Diógenes,
Ricardo e Luiz Pretti), entre muitos outros. Explicitando, nas
escrituras cinematográficas, uma importante crise de um
modelo.
O desconforto com o modelo industrial é algo que está
nos filmes, na organização dos sets, na dimensão
processual das obras que com frequência têm rejeitado
a ideia de continuidade entre projeto e produto, como na lógica
industrial. Se pensarmos em alguns importantes cineastas contemporâneos,
como Pedro Costa, Abbas Kiarostami, Eduardo Coutinho, Miguel Gomes,
Apichatpong Weerasethakul, Jia-Zhange-ke, todos eles teriam sérios
problemas para aprovar projetos e terem suas contas aceitas na
grande maioria dos editais brasileiros, uma vez que trabalham
o filme dentro de um processo de construção em que
o projeto é composto de intenções, encontros,
performances, compartilhamentos - e não de roteiro e realização,
como prevê a lógica industrial.
É certo que muitos desses realizadores
são fortemente vinculados à tradição
do cinema moderno, assim como grande parte do que temos visto
no cinema contemporâneo brasileiro; entretanto, a produção
atual parece não ter a indústria ou o chamado cinema
comercial como um oponente. Trata-se, antes, de uma intensidade
que atravessa todas as frentes - produção, distribuição
e escrituras - e que se forja distante do modelo industrial. Todas
as tentativas de trazê-lo para dentro do modelo vigente
- aquele em que o filme deve ser uma realização
do roteiro e o diretor deve fazer, entre outras coisas, uma exposição
oral do projeto diante de uma banca para captar recursos - são,
antes de tudo, formas para se destruir uma parte da potência
do que existe hoje. Formas de aprisionar um sistema de invenção
e criação adaptado às novas condições
materiais e simbólicas do mundo.
Uma das maneiras de isolar a produção contemporânea
é associar o pós-industrial com o amador, sobretudo
pela força que os coletivos vêm assumindo e, também,
pelos frequentes falas de cineastas e produtores que fazem questão
de frisar os laços afetivos que atravessam as obras e equipes. Pós-industrial
não é nem amador nem um passo para a industrialização;
é o cinema brasileiro contemporâneo que incorpora
um tipo de trabalho diferente daquele da indústria. Quando
o debate é pautado pela lógica industrial, parece
haver um claro interesse em apontar para o cinema feito hoje como
um cinema não profissional, feito por jovens e novatos,
não percebendo, ou fechando os olhos, para uma maneira
de operar a vida e o trabalho como um processo de criação
e não como peça de uma engrenagem. No atual estágio
do capitalismo, em que as vidas mesmo são as principais
produtoras de valor, a separação entre amador e
profissional passou a ser bastante tênue, interessando
sobretudo àqueles que pretendem gerir e organizar as forças
da multidão.
4 - O papel da Universidade
Os principais cursos de cinema do país
possuem um currículo organizado em termos industriais.
Pega-se o filme, divide-o em várias partes - montagem,
fotografia, roteiro, direção de arte - e no final
se coloca tudo junto para o produto final, o filme. Quando um
cinema pós-indústrial ocupa o espaço que
vem ocupando, também na universidade precisamos nos reinventar
dando atenção às formas como os cineastas
estão trabalhando hoje. De certa maneira, cinema e pesquisa
se tornaram coisas contíguas. A Mostra de Tiradentes é
um exemplo: pesquisadores, críticos e cineastas ocupam
um mesmo espaço e frequentemente passam de uma função
a outra. Parece ser um desafio hoje da universidade a invenção
de meios para dar conta, pedagógica e politicamente, dessa
forma de fazer cinema para qual não estamos preparados
ainda e que vem transformando o cinema como um todo, das formas
de produção até as escrituras fílmicas.
5 - Mercado
A
existência desse cinema pós-industrial significa
que ele estará sempre separado do mercado ou dos meios
convencionais de distribuição e produção?
De forma alguma; toda a política de inserção
dessas obras no mercado nacional e internacional não pode
ser deixada de lado. Pós-industrial não é
pós-mercado. Trata-se de uma outra engenharia de produção.
Um filme que ganha o Festival de Brasília, como O Céu
Sobre os Ombros (foto), de Sérgio Borges, ou um filme
que está no importante festival de Rotterdam, ambos estão
também no mercado. Mais do que isso: não ser industrial
não significa não ter possibilidades comercias,
mesmo que no tradicional comércio das salas de shopping.
É certo que muitos desses filmes não alcançam
seus públicos por falta de uma política que democratize
o acesso às salas, uma briga histórica, importante
e que continuará a ser feita. Trata-se de uma tensão
no interior do mercado formal ao qual muitas dessas obras podem
e devem ser incorporadas. Entretanto, não são esses
espaços tradicionais que trarão valor e legitimidade
para as obras. É evidente ainda que estamos diante
da "obsolescência da clivagem centro-periferia típica
da era fordista" (Cocco, p.73). Assim como, nesse
cinema, Fortaleza, Recife, Rio de Janeiro, São Paulo, Porto
Alegre e Belo Horizonte são partes de um mesmo processo,
é o próprio país que tem diante de si as
condições dadas para uma presença internacional
em que o Brasil não se coloca mais como mão de obra
ou fornecedor de matéria-prima apenas, mas como potência
da multidão que se materializa nessas obras.
6 - A presença do estado
Chegamos a um ponto crucial: a presença do estado no incentivo
da atividade cinematográfica. O incentivo ao cinema pós-industrial
deve ser deslocado de projetos para processos.
Não estamos diante de filmes industriais, fechados ao descontrole
dos processos. Há uma velocidade de produção,
uma garantia de meios já instalados e uma estética
mesmo, distante dos roteiros que a indústria exige, que
nos demanda novas formas de presença estatal se desejarmos
potencializar essas produções, esses processos.
Se na era industrial os primeiros longas precisavam de muito dinheiro
para serem produzidos, hoje vemos cineastas partindo para o terceiro
longa-metragem sem nunca ter tido dinheiro público. Talvez
devêssemos pensar em sistemas de bolsas de produção
para coletivos e grupos, para produtoras que instauram processos.
Bolsas que sejam dadas a partir da produção já
realizada e não da apresentação de um projeto.
Temos vários exemplos de cineastas e produtoras com expressão
nacional e internacional e grande circulação fora
do circuito shopping. Não seria isso o suficiente para
que essas produtoras recebessem financiamentos com o compromisso
de entregar pelo menos um ou dois longas metragens para distribuição
em TV, Programadora Brasil, abertas para download e exibição
em salas?
Muito mais do que apontar soluções, coisa que os
cineastas e coletivos certamente saberão fazer com mais
propriedade, o que pretendemos aqui é assinalar a existência
de uma produção cinematográfica, que continuará
a existir independente das ações estatais, mas que
pode ser potencializada com esforços que diferem daqueles
tradicionalmente coerentes com as práticas industrias.
A preocupação principal com esses processos é
como potencializar o que existe sem que se ofereça mais
do mesmo, como potencializar uma produção que soube
se inventar em meio a condições novas, longe da
lógica industrial. O papel do estado hoje é potencializar
o descontrole.
* Agradeço o André Brasil, a Carla Maia, o Ricardo
Targino, o Fábio Andrade e o Giuseppe Cocco pelas contribuições
nas atentas leituras do texto.
Referencias importantes para esse texto:
COCCO, Giuseppe. MundoBraz: O devir-mundo do Brasil e o devir-Brasil
do mundo. Rio de Janeiro: Ed. Record, 2009.
BOLTANSKI, Luc e CHIAPELLO, Ève. Le nouvel esprit du capitalisme. Paris: Éditions Gallimard, 1999.843p.
DELEUZE, G. Post-scriptum sobre as sociedades de controle. In Conversações. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992.
LAZZARATO, Maurizio. As Revoluções do Capitalismo. Rio de Janeiro: Record. 2006. SIMONDON Gilbert. L’individuation psychique et collective. Paris: Aubier.
Fevereiro de 2011
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