in loco - cobertura dos festivais

Cleveland Versus Wall Street (idem),
de Jean-Stephane Bron (EUA/França, 2010)

por Filipe Furtado

A mise en scène da justiça e seus limites

Talvez por acidente, Cleveland versus Wall Street evoca a lembrança do Anatomia de um Crime de Otto Preminger. O que um blockbuster americano do fim dos anos 50 e um documentário francês engajado têm em comum? A mesma preocupação com a mise en scène da justiça. Assim como o filme de Preminger partia de um típico best seller de tribunal para descortinar as semelhanças entre a apresentação de um caso judicial e a construção de um filme, no seu melhor o filme de Jean Stephane Bron sugere a mesma idéia.

A proposta de Bron já sugere por si só a farsa retórica: diante do sucesso dos advogados dos bancos de Wall Street em postergar eternamente o julgamento do processo que a cidade de Cleveland move contra eles pelo seu papel na crise das hipotecas, o filme se propõe a encenar um julgamento cinematográfico, com testemunhas, juiz, advogados e júri reais realizando para as câmeras o processo que jamais chegou a se concretizar na corte. O filme funciona justamente quando sugere como as apresentações de ambas as partes estão interessadas justamente em como melhor encenar seus casos para os oito jurados: o advogado da cidade realçando o lado humano do caso, o advogado dos bancos apostando em reforçar o abismo ideológico por trás dos olhares possíveis sobre o caso. Vemos como cada palavra é ponderada, como as testemunhas são pensadas a partir do seu peso simbólico. Todos os seus personagens se movimentam como atores de si mesmos, não apenas porque Cleveland versus Wall Street é uma encenação.

Os limites do filme também são muito claros, porque, mesmo com todo o esforço de Bron, seu filme jamais consegue transcender os próprios limites do documentário engajado. Sua própria apresentação é tão retórica quanto a dos advogados que descortina. Por exemplo, antes da principal testemunha dos bancos falar, Bron insere uma cena dos advogados discutindo a habilidade de discurso do sujeito, desqualificando-o a priori muito mais do que os próprios advogados conseguiram na tribuna. Este limite fica exposto muito bem pelo próprio filme, quando fica claro que, após todo o processo do julgamento, os oito jurados carregam a mesma opinião sobre a questão que tinham quando ele começou: não há, no fundo, qualquer diálogo entre as partes. Se Cleveland Versus Wall Street fracassa em alguma coisa, é justamente em tirar sua questão da abstração da ideologia: mesmo com todos seus momentos de força e interesse, nada nele sugere que pode dialogar com quem não está, já a principio, em total acordo com ele. 

Outubro de 2010

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