Condor,
de Roberto Mader (Brasil, 2007) por
Julio Bezerra Em
busca do passado
De 2004 pra cá, com extrema freqüência nos deparamos
com filmes (documentários ou ficções) que tratam de temas relacionados com o período
da ditadura militar: de Quase Dois Irmãos a Cabra Cega, de Araguaya
a Hércules 56, de Sonhos e Desejos a O Ano em que Meus Pais Saíram
de Férias, entre outros. Neste sentido, Condor é certamente parte de
um processo. Portanto, é preciso, nesta variedade confusa de aproximações, traçar
os pontos em comum e pensar quais novos sentidos e propostas estão sendo extraídos
e perpetuados.
A
“grande questão” por trás destes filmes ainda consiste invariavelmente em se representar
circunstâncias ou acontecimentos caros e esquecidos de nossa História recente
– e em Condor não será diferente. A idéia de Robert Mader é tratar da chamada
Operação Condor, nome dado à cooperação entre governos militares sul-americanos
que resultou no seqüestro, assassinato e exílio de milhares de pessoas. Durante
duas décadas, negou-se a existência desta Operação, tratada como um exagero paranóico,
uma teoria da conspiração de vítimas e opositores. Condor quer jogar luz
sobre este período. “Não podemos pensar no futuro sem recuperarmos o passado”,
diz uma depoente. “Isso aconteceu. E aconteceu conosco”, complementa outra. Frases
que sintetizam muito bem as intenções de Mader. Do ponto
de vista da linguagem, Condor opta por uma estrutura dramática bem simples.
Trata-se de um filme de depoimentos e material de época, entre jornais e imagens
de arquivo. As entrevistas tentam, ainda que de maneira frágil, explorar as opiniões
contrárias de defensores da lógica ditatorial e vítimas da Operação Condor. O
espectador segue um tanto desamparado o fluxo de depoimentos e imagens pelo continente.
A edição de Célia Freitas e o corte final de Ricardo Miranda parecem por vezes
reproduzir essa idéia de um fluxo sem fronteiras, a ponto de ser às vezes complicado
identificar e associar todos os eixos narrativos. Percebe-se
claramente uma ascendência na escola britânica de John Grierson, para quem a idéia
do documentário não era de modo algum uma idéia cinematográfica. Neste sentido,
podemos dizer que Mader tem mais perícia do que exatamente um estilo pessoal.
Mais do que se expressar, o que o documentarista deseja é se comunicar. Conseqüentemente,
reage-se muito mais ao conteúdo do que ao artista. Neste sentido, Mader parece
ambicionar um painel amplo e por vezes se reveste de importância e nobreza, mas
acaba perdendo o foco. Condor esbarra em muitas questões para apenas deixá-las
em aberto (a participação americana, o papel do Brasil na operação, o trabalho
da Cúria, etc.). Em
determinado momento, percebe-se o desejo por uma descida às memórias e às realidades
presentes das pessoas que viveram o período. Foi através das relações entre pais
e filhos que Roberto Mader encontrou a melhor maneira de falar da Operação Condor.
São muitas e comoventes histórias. Há o caso dos Larrabeiti, que presenciaram
a morte dos pais biológicos no Uruguai e foram adotados por uma família chilena.
Há também a uruguaia Sara Mendes, presa e torturada na Argentina, que encontra
seu filho após 25 anos de busca. Outras histórias tiveram grande repercussão no
Brasil, como a do casal de Lilian Celiberti e Universindo Diaz, seqüestrados pela
polícia uruguaia em Porto Alegre. São casos realmente exemplares e emocionantes,
mas não suficientemente explorados. Para isso, Condor teria de ser mais
longo ou talvez se deter em um número menor de personagens. Alberto Cavalcanti
já nos alertava para o fato de a metonímia ser uma das melhores estratégias para
se aproximar do tema de um documentário: “Você pode escrever um artigo sobre os
correios, mas deve fazer um filme sobre uma carta”, dizia ele. Mader
não tem dúvidas a respeito do que pretende dizer com seu filme: que a Operação
Condor existiu e que o país só poderá virar esta página quando resolver falar
abertamente sobre o período. No entanto, ao seguir uma estrutura um tanto
confusa, o filme não entrega o que nos promete: o documentário não apresenta informações
novas sobre a operação, nem nos explica sobre seu funcionamento. Tampouco se trata
de um filme investigativo ou de denúncia. Apesar de dar voz a militares, o documentarista
não é objetivo em um sentido jornalístico, mas também não é panfletário. Em Condor,
não vemos um argumento sendo apresentado, discutido e provado, mas tampouco
somos lubridiados goela abaixo. E, curiosamente, talvez o maior trunfo de Mader,
o legado de seu filme, seja o depoimento (raríssimo) do general chileno Manuel
Contreras, chefe da Dina (Direção de Inteligência Nacional). O tempo dirá.
Maio de 2008 editoria@revistacinetica.com.br
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