O Contador de Histórias,
de Luiz Villaça (Brasil, 2009) por Francis
Vogner dos Reis Picaresco
aprisionado
O Contador de Histórias
parte de algo interessante: um garoto que fabula sua própria história
e dessa maneira forja para si uma dignidade que o mundo à sua volta (literalmente
uma fábrica de marginais) lhe nega. Se ele foi um marginal fabricado pela
miséria e pelo Estado (sem confusão nem separação),
há a possibilidade de se fabricar um cidadão. A lógica, mesmo
que desafiadora, é justa e necessária no mundo em que vivemos. Mas,
infelizmente, um filme - objeto limitado por uma duração, por escolhas
dramáticas e por um olhar específico - tem a tendência em
fazer das coisas mais bonitas uma busca por soluções imediatas e
por destinos derradeiros, incorrendo, não raro, no rebaixamento de seus
temas e em um humanismo infantil e em um falseamento atroz de questões
sérias.
A seqüência que faz contraste
entre Roberto e o outro menino de rua apelidado de "cabelinho de fogo"
(que invade a casa da pedagoga) é abjeta porque contrapõe o que
acaba, por fim, considerando decência e barbárie. É o modo
que a certa altura o cineasta usa para distinguir dois estados do garoto. Do que
é visto como barbárie, é preciso manter distância.
E isso, se torna mais grave ainda quando Roberto está na fila do estádio
e vê a polícia revistar quem entra. Ele fica com medo, mas ao passar
pelos guardas se sente muito bem em não ser mais uma ameaça, e passa
variadas vezes pelos gambés. É quase uma promoção:
ele se integrou. É
indiscutível que Luiz Villaça fez aqui seu melhor filme, mas isso
diz pouco para um cineasta que tem um currículo de longas nada invejáveis.
A sensibilidade é constantemente sabotada por um mecanismo perverso: o
que em princípio parece a luta para um garoto se livrar da miséria
e tomar seu destino nas mãos, se torna o exercício de enquadrar
e domesticar o menino Roberto Carlos, transformá-lo em cidadão limpo
e respeitável. Deixa a fábula picaresca para se transformar em conto
de fadas. E que não se venha dizer que é baseado em fatos reais,
porque a vida conta mais com a opacidade das coisas do que respostas categóricas.
O Contador de Histórias está longe da vida e distante do
potencial que a ficção tem em questioná-la. Julho
de 2009 editoria@revistacinetica.com.br
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