Contratempo,
de Malu Mader e Mini Kerti (Brasil, 2008) por Julio
Bezerra Triste
mosaico
O cinema brasileiro mais recente parece
cada vez mais interessado em radiografar, seja pelo documentário, seja pela ficção,
condutas de segmentos da juventude brasileira dos centros urbanos. É o caso em
filmes como Meninas (2002), Seja o que Deus Quiser (2003), Pro
Dia Nascer Feliz (2006), Ódiquê? (2006), Sou Feia Mas Tô Na Moda
(2005), entre muitos outros. São trabalhos muito diversos, mas que alimentam uma
mesma tentativa de captar uma determinada realidade, de identificar sintomas e
de nos deixar certos diagnósticos. Contratempo, documentário co-dirigido
por Mini Kerti e pela atriz Malu Mader, é mais um exemplo. O
filme nos apresenta e acompanha a trajetória de alguns dos integrantes do Villa
Lobinhos, iniciativa que ensina música clássica a jovens carentes no Rio de Janeiro
– tema próximo a Malu Mader, como madrinha do projeto. Logo se percebe, no entanto,
que este não é um filme sobre o Villa Lobinhos. Contratempo tampouco trata
exatamente da arte como um fator de cidadania ou de integração social, e apenas
raramente faz perguntas sobre música. Malu Mader e Mini Kerti estão interessadas
nos meninos. E o filme se volta para eles: suas
histórias, seus sonhos, o que pensam, o que vêem e o que sentem. As realizadoras
tentam se equilibrar entre formas interativas e observacionais, têm a honestidade
de se colocar distante do universo retratado e, ao mesmo tempo, não cedem à piedade.
Cinematograficamente, predomina uma certa desorganização. Em determinados momentos,
os personagens são sabotados pela montagem; noutros, mostra-se apenas os melhores
momentos de cada fala e não o processo do discurso de cada um. É perceptível a
desigualdade dramática entre os personagens. Desigual também são os resultados
obtidos de um personagem para o outro. Essa irregularidade é salientada em especial
pelo enorme carisma dos gêmeos. Aos poucos, sob a necessidade de passar de um
lado do mosaico para o outro, o filme perde em ritmo. Essa estrutura de paralelismos
não nos facilita uma familiarização mais direta. Contratempo corre sempre
o risco de não vincular as pessoas às suas histórias – o que nos faz pensar, mais
uma vez, sobre o mosaico como um novo cacoete do documentário brasileiro. No
fim, já nas últimas cartelas, o longa nos deixa entrever sinais de um pano de
fundo social. Contratempo se mostra então um filme sobre o confronto desigual
entre as utopias de seus personagens e uma conjuntura social exasperante. Mini
Kerti e Malu Mader acompanharam estes jovens tempo suficiente para registrar que
nem tudo sempre sai de acordo com o que se planejava. Importante observar, no
entanto, que a disposição das realizadoras parece nunca ter sido essa. A idéia
não era coletar experiências individuais para ilustrar um certo fenômeno social;
tampouco partir de um sintoma geral, anterior ao filme, para localizá-lo nas vidas
selecionadas. Ainda assim, em seus dramas individuais, os personagens desse filme
mostram um estado mais amplo de coisas. Março
de 2009 editoria@revistacinetica.com.br
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